quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Doroti, a Imprescindível


Dototi, a Imprescindível

Certamente Bertold Brecht pensou em pessoas como Doroti Alice Müller Schwade quando escreveu sobre imprescindíveis que lutam a vida toda. E, infelizmente, tal imprescindibilidade se concretizou às 19h00 do dia 3 de dezembro de 2010 quando a querida Doroti Schwade deixa as maiores saudades a todos nós.

Lembro-me de conhecê-la e logo perceberia que não se tratava apenas da mãe de um amigo. Não. Era uma mulher que não conhecia barreiras e também cultivava as menores distâncias entre si e a natureza, coração e mão, firmeza e sensibilidade. “A mãe”, como a chamava Egydio e seus filhos não representava um simples grau parentesco, pois todos sob os cuidados dela éramos filhos e filhas. Amamentou crianças com fragilidade alimentar, alimentou pessoas de todas as partes do mundo com seu carinho e virtude. Minhas idas a Presidente Figueiredo buscavam enriquecer a alma com Egydio e Doroti. E assim acontecia.

Recordo-me do dia em que pedi que o Maiká tirasse uma foto minha com Egydio e Doroti. Queria cristalizar simbolicamente um momento com aqueles com quem era mais fácil sonhar com outro mundo possível. Imprescindíveis, neles a nobreza sempre encontrou um lar e nós, vida. A política era radicalmente contagiante na direção da paz e do amor ao próximo. Ensinavam, ajudavam, resistiam.  Sua mesa farta era estendida aos que chegassem cujos corações certamente mais levavam que deixavam.

Naquela varanda, como diz Anitelli, “ia embora na conversa nossa pressa de ficar”. Chimarrão, histórias e sorrisos. Experiências que alimentavam minha pequena alma incontida na vontade de fazer mais pela humanidade. A luta contra a ditadura, a vinda para a Amazônia, a fundação do PT, a militância no Conselho Indigenista Missionário – CIMI, e outras realizações me faziam herdeiro de um sonho. Quem era eu para falar em desistir? Agigantados ao lado de Egydio e Doroti a justiça, o amor e a esperança, o convite ao caminho era claro. “Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer...”.

A mim resta a gratidão à Doroti Schwade e meus mais nobres sentimentos a Egydio e sua família. Continuarás em nossos corações que diminuirão por sua ausência não mais que cresceram com sua presença. Tristeza não é o sentimento que melhor traduza sua vivência, mas que persegue pela falta. Mas se hoje contigo se foi um pouco de nós, a cada manhã, continuamente passamos a ser mais um pouco mais de você em esperança, fé e amor.

Manaus, 03 de dezembro de 2010.

André de Oliveira Moraes


Fonte da Figura: http://nomes-d.blogspot.com/2008_12_01_archive.html

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A (V)ida!



Na tristeza pelo falecimento da mãe de um grande amigo. Tomada pela angústia e envolvida no sentimento de impotência escrevi algumas palavras como forma de manifestar meus sentimentos...

Parece ser na hora da tristeza que o coração necessita se abrir. E como numa outra historia inventada mergulho a refletir a (v)ida. Parece ser mesmo quando algo acontece ali na nossa frente e com alguém que conhecemos, que passamos a entender a dor do próximo. E sempre deveríamos tomar um pouco dessa dor para nós, pois isto nos torna mais humanos. Humanos e menos sevos com a dor do outro.

A (V)IDA
(Juliana A. Alves)

Lastimar a perda é buscar lembranças...

Lá no canto estão as flores. Embelezam os dias. Contemplam nossas (v)idas. Traduzem a sentida.

N’algum lugar chora. Sussurram pelas matas. Matando os frutos. Frutificam a vida e alimentam a alma. Agora perdidos. Pelos idos contemplam. Imagens soltas.

Sorrindo lá está. N’algum lugar à espera. Por fim, tem fim. A busca pela (v)ida. Aproveito a ida pra dizer que deixou saudades...Doroti Schwade.

Sempre estamos muito preocupados com as coisas materiais e as vaidades que o mundo nos impõe. E nem sempre damos importância ao que realmente a vida nos apresenta como prioridade. Difícil falar, principalmente, quando consideramos a perda de uma pessoa que demonstrava o entendimento humano do mundo. Usando-me das palavras do André de Moraes, é realmente, lamentável a perda de “uma das mais importantes mulheres militantes da justiça social na Amazônia”.

Deixo aqui registrada minhas tristezas.
Minhas palavras singelas, mas passeadas de sentimento pelo falecimento de Doroti Schwade.

Um abraço carinhoso à família Schwade.


"Os ventos que as vezes tiram algo que amamos, são os mesmos que trazem algo que aprendemos a amar.. Por isso não devemos chorar pelo que nos foi tirado e sim,
aprender a amar o que nos foi dado. Pois tudo aquilo que é realmente nosso, nunca se vai para sempre". (B. Marley)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Amazonas: Novos Municípios, Velhas Políticas

André de Moraes



A questão da emancipação municipal no Amazonas está caminhando da forma mais conveniente para os seus propositores. Alinhamento político na Assembléia Legislativa, pouquíssima oposição, inexistência de um debate verdadeiro, “audiência à ‘um’ público”, etc. As “coxas ocultas” nas quais se fazem projetos realmente parecem ser bem atraentes e ofuscam a atenção naquilo que realmente interessa à população. Basta apenas analisar a forma como o processo está se dando e emergirão espontaneamente os reais (des)interesses que estão por trás do projeto.

A proposta está sendo modificada segundo critérios políticos diversos. Já são 32 novos municípios na iminência de emancipação. É possível que ainda haja novas alterações no projeto de forma a torná-lo mais aprovável, não pela plenária, pois o alinhamento político já garante isso, mas por parte da opinião popular. Na legislação específica, é possível verificar critérios geográficos mínimos acerca de aspectos como população, número de eleitores, urbanização e arrecadação no Estudo de Viabilidade Municipal. Quero acreditar que em observância a essa legislação, a Comissão de Estudos para a Criação de Novos Municípios no Amazonas baseada em dados do SEPLAN, SIPAM e IBGE, está organizando os dados para um relatório técnico sobre o tema. Mas, como é possível estabelecer um projeto de criação de novos municípios já com indicações se, teoricamente, não fora verificada a viabilidade com o estudo ainda em curso? E ainda mais, não está sendo mensurado que, ao se indicar comunidade/localidades à emancipação, geram-se expectativas na população que pode não estar legislativamente apta a se tornarem municípios. Novamente verifica-se que o desenrolar do processo se dá de forma atropelada e ‘sem socorro às vítimas’.

Na "audiência à ‘um’ público" realizada na manhã do dia 25 de novembro de 2010 com poucos e sem ampla divulgação, foi dito e será cumprido que nem toda a população atingida será consultada. Isso restringe a participação desta no plebiscito numa idéia política retrógrada de ter o voto como ápice da democracia num momento em que a participação popular tem destaque na pauta política no Brasil. Por que não oportunizar aos maiores interessados uma participação efetiva na construção do projeto num processo pedagógico de geração e transmissão mútua de conhecimentos sobre o território? Realmente parece não haver uma disposição em mudar o modelo político baseado na representatividade cega em detrimento da participação popular política.

Nessa pequena análise, é possível verificar uma proposta que, embora possa ser pertinente em alguns casos específicos, não dialoga com a população em geral. No caso de Novo Remanso, percebe-se que já existe um esclarecimento e vontade da população na emancipação assim como pode haver outros casos que somente um Estudo de Viabilidade Municipal responsável pode identificar. Mesmo assim, é necessário analisar a situação do Estado nas diversas escalas para a proposição de um modelo territorial adequado para o Amazonas que não se furte a ouvir aqueles que sempre almejaram ou nunca pensaram em ter/ser outro município.


Fonte da Figura: http://www.info-hoteles.com/br/hoteis_amazonas.asp

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Emancipação Territorial no Amazonas: nas coxas ocultas aquilo que deveria partir de uma cabeça aberta

André de Moraes

Maiká Schwade

As motivações eleitorais e econômicas são atualmente o vetor das iniciativas “públicas” no Amazonas. Mesmo sob a alcunha da sustentabilidade, esta só se efetiva quando se é verificada a viabilidade econômica do processo e/ou seus impactos políticos favoráveis para um grupo. A falta de um estudo responsável acerca da realidade das cidades e comunidades incluídas no Projeto de Lei nº 136 que propõe a criação de 28 municípios no Amazonas denuncia esse obscuro interesse por trás dos projetos.

Conhecemos de perto a realidade das cidades e comunidades no Amazonas, pelas pesquisas que temos realizado, nos últimos 5 anos, por meio da Universidade Federal do Amazonas - UFAM, via Núcleo de Estudos e Pesquisa das Cidades na Amazônia Brasileira - NEPECAB. A situação dos municípios é precária. Ausência de planejamento urbano, falta de assistência às comunidades rurais, despreparo do poder público para gestão territorial e interesses políticos divergentes do interesse público são alguns dos fatores desfavoráveis ao pleno direito à cidade e a terra. Seria realmente interessante difundir esse cenário para mais 28 novos territórios municipais?

Os estudos sobre a urbanização no Amazonas são insuficientes, o que dificulta a previsão de cenários futuros. Este é um tema caro à pauta de pesquisas científicas na região cuja importância emerge quando verificamos as tendências da dinâmica territorial atual no Amazonas. A instituição da Região Metropolitana de Manaus e iniciativas como as discussões sobre desmembramento do Amazonas em novos estados ou territórios federativos e agora da divisão territorial interna. Uma proposta legítima que estivesse para além de interesses eleitorais e econômicos seria pautada minimamente na vasta participação popular e na adoção de critérios com sólidas bases científicas e políticas, garantindo ampla discussão do projeto, com igualmente amplo processo pedagógico de consulta, e esclarecimento das reais implicações do desmembramento nas vidas daqueles que realmente sofrerão/desfrutarão das consequencias.

Alguns autores insistem na expressão “floresta urbanizada”; entretanto, o Amazonas não dispõe de uma urbanização que justifique instalação de novos municípios. Pelo contrário, com a criação de novos municípios automaticamente seriam instaladas novas cidades que, pelo conceito legislativo brasileiro, representam a sede da municipalidade. São poucas as comunidades rurais que possuem relações que se poderiam classificar como urbanas de forma a se justificar uma cidade cuja instalação mudaria bastante o modo de vida dessas populações. Dizer que isso representa o desenvolvimento é regredir para a já questionada supremacia do urbano sobre o rural. Seria nadar na contramão dos avanços conceituais que visam superam a dicotomia “rural x urbano” considerando as relações presentes entre estes espaços.

Por outro lado, a emancipação acarreta um processo de urbanização que, por sua vez, é apontado como co-responsável por vários processos de marginalização social. Por exemplo, desde a década de 1990, as “invasões” são responsáveis por grande parte do crescimento urbano das cidades da Amazônia Brasileira, onde são encontrados problemas sociais mais acentuados que nas áreas rurais, como a fome e o subemprego. Agravado pela inexistência de um planejamento urbano adequado, o projeto constitui-se como um convite não ao debate, mas à reprodução de um modelo que não tem respondido à demandas sociais, econômicas e ecológicas de forma combinada.

Paralelo a qualquer discussão sobre a Amazônia, cada vez mais ocorre a contestação do paradigma/mito do desenvolvimento. É necessário superá-lo, pois se trata de um conceito pautado na urbanização. Qualquer iniciativa para a Amazônia deve ter o compromisso de assumir a questão socioambiental como principal diretriz de planejamento, ordenamento e gestão territorial. O Zoneamento Ecológico e Econômico (ZEE) é um instrumento de gestão territorial que deve subsidiar políticas públicas. O fato de ainda não termos consolidado o ZEE do Amazonas e, mesmo assim, se insistir na divisão territorial do Estado representa um completo atropelo na diretriz socioambiental seguida pelo próprio Estado. Assim, remonta-se a velha situação dos interesses eleitorais e econômicos não somente desvinculados, mas sobrepostos às questões socioambientais.

A principal argumentação dos responsáveis pela proposta é que a emancipação aumentaria o montante dos repasses federais ao Estado. Sabemos que o corpo burocrático mínimo para se manter uma estrutura de gestão de um município é cara, os sete milhões que um pequeno município recebe, não garantem nem mesmo a manutenção de cargos (salários de prefeitos, secretários, vereadores, assessoria), quanto mais a manutenção de serviços e a instalação de infraestrutura como escolas, hospitais... o que realmente interessa à população. Geralmente, o que garante a manutenção desses serviços públicos importantes nos pequenos municípios são os recursos federais e estaduais investidos diretamente ou remetidos às prefeituras em valores proporcionais à população. Nada indica que possa haver transformações positivas na vida da população dessas comunidades com a constituição de novos municípios/cidades.

Mas o que realmente podemos notar nessa proposta é a falta de um estudo prévio de cada uma das comunidades, vejamos alguns exemplos:

Balbina, atualmente, é um distrito pertencente ao Município de Presidente Figueiredo, situado ao norte de Manaus. A maior parte das terras aí existentes são de jurisdição da União, cuja responsabilidade administrativa cabe ao Governo Federal. São eles: A Rebio Uatumã (de responsabilidade do ICMBio), A Terra Indígena Waimirí-Atroarí (FUNAI), assentamento PDS Morena (INCRA), entre outros. Já a Vila de Balbina é uma propriedade da empresa Amazonas Energia, de controle da Eletrobras. Fora isso, existem terras ocupadas por um grande empreendimento de mineração (Pitinga), que atualmente põe o Município de Presidente Figueiredo como terceiro maior em arrecadação do Estado do Amazonas e o maior em arrecadação per capta. Tudo nos leva a crer que a emancipação é mais um dos artifícios criados para espoliar as riquezas do município, situação que vem ocorrendo desde sua criação, em 1982.

A antiga missão salesiana de Iauaretê é uma comunidade indígena localizada no Rio Uaupés na fronteira com a Colômbia, pertencente ao Município de São Gabriel da Cachoeira. Por se tratar de uma terra indígena (T.I. Alto Rio Negro), é inconstitucional estabelecer uma sede municipal nessa localidade. Somando a isso, é importante pensar nos graves conflitos que podem se estabelecer a partir da instalação de uma estrutura de poder diferente das existentes entre os vários povos indígenas daquela região.

Novo Remanso, por outro lado, possui uma condição específica que justifica perfeitamente tal discussão. Trata-se de uma comunidade pertencente ao município de Itacoatiara que, no entanto, tem relações mais diretas com Rio Preto da Eva e Manaus do que com o município ao qual pertence. Nesse caso, a emancipação parece uma proposta coerente, mas devem ser avaliadas outras possibilidades, o que exige um estudo prévio e detalhado da situação. Estudo que parece não ter sido feito até o momento.

Como é possível notar, há várias questões que não emergem ao debate pelos diversos interesses. A falsa ideia de que o rendimento de um parlamentar se dá pelo volume de projetos é totalmente ilusória. A necessidade de alto volume de projetos e emendas só indica uma inadequação da legislação que, se bem costurada, não necessitaria de tantos “remendos”. As particularidades do espaço e do tempo amazônicos demandam que toda e qualquer atitude seja minuciosamente planejada e estruturada. Ainda é necessária uma ampla discussão e, por isso, fazemos esse alerta frente à perceptível pressa com que os propositores estão tratando desse projeto. Novamente, temos a impressão de que um grupo domina a discussão com interesse econômico/eleitoral, reproduzindo o modelo político-eleitoreiro que insiste em residir numa casa onde há muito tempo não deveria ser mais bem-vindo.

*Foto: NEPECAB (Vila de Balbina, janeiro de 2008).

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Cinzas Soltas no Vento


Estamos pelos idos da metade do século XX, os leprosos e os loucos são confinados. Existe uma política coerciva de controle desses indivíduos, sendo punidos aqueles que não notificassem à Profilaxia da Lepra os casos. Em Manaus, o “Hospital-colônia” Antônio Aleixo, se situa cerca de 14 km do centro urbano da cidade de Manaus, lugar perfeito para a reclusão desses grupos patológicos, distante e escondido, não apresentava perigo de contaminação à sociedade...

CINZAS SOLTAS NO VENTO
(Juliana A. Alves)

O tempo passa como de costume e a espera consome. De repente, um aglomerado de pessoas se amontoa e se apressam entre a multidão no terminal de ônibus. Finalmente, a espera tem fim. O ônibus meio que, como sem destino, carrega rostos calejados pela tristeza com aquele olhar distante, tão distante quanto o caminho que se almeja chegar. O caminho é longo e tão longo quanto a infinidade de transformações que apresenta a paisagem. Em poucos minutos da saída do bairro Cachoeirinha a paisagem se metamorfoseia. Adentramos no Distrito Industrial. O ônibus antes densamente ocupado, como um pássaro, passa a distribuir suas sementes pela terra. De lá, em diante, a paisagem muda, abruptamente, sai-se da cidade sem saber que dela não se saiu. A cidade persiste e a floresta resiste. Aos poucos, as fábricas vão esvaecendo e dá-se lugar aos sítios e ao Parque Sauim de Castanheira. Por um longo trajeto a paisagem é a mesma. Poucas casas são avistadas no trajeto. A única lembrança da cidade é o asfalto e a fiação elétrica, a paisagem por vezes é engolida por paredões rochosos o que remete a memória da estrada. Na estrada a esperança é de se chegar n’algum lugar desse infinito da Amazônia, cansa ao expectador, esse viajante apurado, a floresta e a quantidade infindável de fazendas, mas ao fim, sempre, se chega à cidade. Nesse caso, não se espera chegar à cidade, pois dela ainda nem saímos, espera-se chegar num pedacinho dela esquecido. Um longo caminho ainda tem-se a percorrer. Quando não se espera mais nada desse lugar que abriga nenhum lugar, avista-se uma escola, um grande hospital...Tem fim o trajeto e dá-se início a nossa jornada. Vamos...
De início, as diferenças deste bairro para os demais se acentuam. Seja pela sua distância em relação ao centro de Manaus, que dista cerca de 14 km seja, pela forma como se chega ao bairro. Chega-se ao bairro de duas maneiras: a primeira pela Avenida Cosme Ferreira que liga o bairro ao centro da cidade e a segunda forma por via fluvial, pelo rio Amazonas que banha a porção sudeste do bairro.
O pesquisador sempre é um estranho dentro da cidade. Ainda que não se sinta como tal, as pessoas o olham como um estranho. Tentamos não chamar atenção. Fixando atentamente o olhar na paisagem sem perder seus expressivos movimentos. Mesmo depois de quase 32 anos que se constituiu como bairro a Colônia Antônio Aleixo parece ter parado no tempo. Poucos carros circulam no bairro. A maior parte do transporte utilizado são motocicletas. Após uma volta pela montanha russa, pelos sinuosos caminhos asfaltados do bairro, decide-se avistar a parte banhada pelo rio Amazonas. Perdidos, sem saber que rumo tomar e tentando através da comunicação se aproximar do objeto. Perguntei: “Como chego ao rio?”. As pessoas sem entenderem o que desejávamos fazer, diziam: “É longe! É melhor ir de mototáxi tem que ir pro 11 de maio!”. Insisti: “Mas, quero ir a pé”. Subimos e descemos ladeiras. Muitas foram as paradas para se perguntar como chegar ao rio. Ainda perdidos. Muitas paradas se seguem. Pedimos informação a uma dupla de pedreiros que trabalham na reforma de uma igrejinha. Ao olhar para as mãos de um deles meu corpo estremece – vejo a minha frente “mãos de garra”, uma triste lembrança para aquele que carregou dentro de si o bacilo de Hansen. Conseguimos a informação almejada e seguimos caminho, despedindo-se daqueles olhos tristes. Após subidas e descidas das ladeiras da vida. Avista-se o rio. Contempla-se a paisagem. O escondido e indesejado revela a sua maravilha – banhado pelo rio Amazonas. Distraídos com a paisagem e com a cabeça fervilhando ouço alguém me perguntar, vindo semelhante o murmúrio da floresta: “Quer atravessar?”. Eu pergunto: “Quanto é?”. A voz que se materializa e aproxima. E responde: “1 real”. Vamos...
A travessia é curta, em menos de 1 minuto chega-se ao outro lado. Entre flutuantes, crianças brincando a margem do rio avistam-se os catraieiros e destes se distancia. O rio neste momento está cheio, devora a terra – tem gula por engolir e fertilizar as suas margens. Chega-se por fim ao bairro Puraquequara.

A sociedade criou uma imagem desses espaços e a difundiu. A imagem de um verdadeiro cemitério de almas pecaminosas, restando a elas apenas a espera pela morte. A localização desses espaços deveria ser o mais distante possível do campo de visão da sociedade. Eles ainda se tornariam os grandes símbolos do segregacionismo. Fechar-se-iam como ostras nos mares do estigma. Muros levantados e portões fechados para por no esquecimento o que a sociedade de maneira mais cruel construiu.

"Existir, seja como for. Resistir, seja como Flor".
(Chaveiro, 2005)

Fonte da foto: alexandrepitante.blogspot.com

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Korta: em greve de fome, com sede de justiça

Retornando de uma viagem a Venezuela, reforço minha solidariedade com a greve situação em que se encontram os indígenas naquele importante pedaço de mundo. Fome, miséria e vícios assombram os povos indígenas da Venezuela, especialmente por conta da invasão de suas terras por fazendeiros e garimpeiros, que contam com a falta de demarcação e proteção das terras indígenas por parte do Estado.

A discussão sobre o futuro dos povos e territórios indígenas foi renovada há duas semanas, quando o amigo e missionário basco José Korta, de 81 anos (que há 40 anos trabalhando com povos indígenas na Venezuela), se pôs em greve de fome por oito dias (18 a 25/10/2010), interrompida somente quando o Vice Presidente reconheceu a dificuldade que tem o Governo em trabalhar a questão e prometeu montar uma comissão para tratar emergencialmente das principais questões que são: a demarcação das terras indígenas e a libertação de Sabino Romero (liderança Yukpa).

Ainda que reconhecendo os avanços promovidos pelo atual governo de Chaves, especialmente no que diz respeito à nova constituição venezuelana (CRBV), criada em 1999, Korta cobra a aplicação das leis estabelecidas pela referida constituição que previa um prazo de dois anos (há muito extrapolando) para a demarcação completa dos territórios tradicionais indígenas.

A situação reanimou os movimentos indígenas autênticos, que se puseram ao lado de Korta, respaldando essa luta. Vários estudantes da Universidade Indígena da Venezuela (UIV) e outros movimentos sociais fazem parte dessa base. No momento, contra todas as adversidades logísticas, e sofrendo uma dura oposição da Ministra dos Povos Indígenas, Nícia Maldonado, o grupo se mantém em Caracas amadurecendo as discussões. Há a expectativa de que nos próximos dias haja um reforço de mais 60 estudantes da UIV que estão prontos para ir a Caracas expressar sua sede de justiça e esperança junto ao governo socialista comandado por Chaves.

Manaus, 03 de novembro de 2010.

Maiká Schwade
Mestrando (UFAM)
Colaborador (UIV)

*Foto: Maiká Schwade (UIV em preparação para manifestações em Caracas, 30 de outubro de 2010).

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Pós-fixos e pré-fluxos

Uma visão sobre o cenário político atual numa leitura, digamos, subjetiva...























(André de Moraes)


Diz-trair amores em falácias
Com-trair abraços, perda de tempo
Re-trair em voltas ao convento
Ex-trair! mas, a quem de suas várias?

A-corde de olho fechado
Re-corde dos sonhos perdidos
Com-corde com loucos partidos
Diz-corde de estar neste lado

Só-mente o que sabe a verdade
La-mente o agora trocando seu ‘aqui’
Diz-mente ao que veio ou está porvir
Dor-mente não apenas pela idade

Pa-terno ainda é agora o pensamento
E-terno um dia pensou que seria
Ex-terno ouço vossa senhoria
Fra-terno assim, mas não tão lento

Aborre-cia o medo do tudo aparente
Distan-cia coragem de passos de dança
Adorme-cia na boate batida da esperança
Amanhe-cia o sentimento vivo latente


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Artigos (In)definidos

Artigos (In)definidos
(André de Moraes)


Um momento de verdades
Um consenso de saudades
Um cálice de bondades
Uma vida de vontades

O caminho concedido
O carinho cometido
O político decidido
O inverno induzido

A carta escrita
A Maria envaidecida
A música perseguida
A situação resolvida

Uma letra, vista
Uma mesa, sirva
Uma devassa, pudica
Uma porta, avista

Breves silêncios
Corações a contento
Com a chuva e o sol de novembro
Nas mãos para entregar,
Uma rosa dos ventos...


À Juliana Alves, com amor.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Se posicionar politicamente é preciso...

É interessante o fato de reconhecemos que somos seres políticos e que o próprio ato de não gostar ou repudiar a política é entendido como um ato político. Essa assertiva, embora já meio batida, não perde sua essência ao pensarmos que não há silêncio na política. Enquanto nos calamos, outros falam por nós. Enquanto ficamos parados, outros se movimentam por nós. E o pior, tudo em nosso nome. Em nome da democracia.

Nas eleições passadas, Frei Betto escreveu um texto interessantíssimo entitulado "É Proibido se Omitir". Neste, o autor desafiava a todos a duas possibilidades: 1) escolher um candidato e fazer campanha para este ou 2) não havendo nenhum de preferência, ir e se candidatar. De fato é um extremo, mas não deixa de ser muito interessante para reflexão. Se estamos num regime político democrático e isso não vai mudar (pelo menos tão cedo) temos a escolha de nos omitir ou de participar e tentar alguma coisa. Nesse caso, opto pela última alternativa. Dar uma cara nova a um velho processo não é nada fácil. Iludir o povo dizendo que o voto é tudo é, no mínimo, perverso. Se sujeitar a candidatos que se auto-intitulam o melhor para a sociedade pelo assistencialismo, em nome de Deus, via nepotismo eleitoral, e que não fazem nada de concreto é um completo absurdo. Propagar aos quatro ventos que o parâmetro para analisar um bom político são as propostas é uma falácia das grandes, afinal quem disse que boas propostas e caráter são necessariamente complementares? E assim, o silêncio dos justo vai castigando o povo muito mais que o grito dos maus.

É necessário minimamente elevar o nível dos políticos de forma que não seja qualquer um que se oude apto a "representar-nos". A participação é essencial nesse processo. Pessoas que estejam abertas para atuar em frentes solidárias e participativas pode ser um caminho. Hoje, existem pouco com interesses legítimos mas existem. A parte que nos cabe nesse latifúndio eleitoral é identificar os bons políticos e potencializar seu alcance como forma de contribuir com a tão castigada política amazonense. Pense. Discuta. Pesquise na internet sobre o posicionamento dos atuais candidatos sobre as materias importantes nos últimos 2 anos, pelo menos. E depois de se informar bem (o que não é nada fácil) decida-se.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Eleições: a festa ou o luto da democracia?

"As eleições são a festa da democracia!". Quantas vezes não se ouviu isso em propagandas do TSE, falas de políticos e plenárias do movimento estudantil? Tal entendimento se tornou um senso comum no tocante a política, mas seu conteúdo é o mais anti-democrático possível.

Primeiramente, reconheçamos o perigo que há em associar festa a eleições. Comícios são os ícones maiores disso (bandas nacionais, etc.) até o TSE dar um basta. Depois, e ainda em vigência, temos uma veração absurda do ato de votar na mesma proporção em que se empobrece o incentivo à participação popular durante o mandato. Vide chavões como associar o voto ao sentido de "dever cumprido" ou "exercício PLENO da cidadania". E assim se manteve por muito tempo o discurso da representatividade como o ponto máximo do exercício político-democrático que, embora tenha sido crucial para o avanço político do país, hoje mostra suas limitações. Como discurso de apoio, ainda se propaga as mazelas como consequência dos "maus votos" (fica até estranho adjetivar o voto). E assim, se constroi uma fortaleza ideológica que mascara e sustenta o atual e fracassado modelo político baseado integralmente na representatividade.

A contrução de uma nova cultura política depende, dentre outros fatores, da desmistificação do caráter totalizante da política pelo voto. É urgente que se esclareça amplamente que a política não se esgota nas eleições por mais óbvio que isso pareça. A democracia tem como princípio o governo pelo povo que se traduz minimamente em participação popular para além do voto. Se não for assim, continuemos "curtindo" a festa eleitoral e depois é só "disfrutar" a ressaca que durará somente 4 anos de mandato.

sábado, 10 de julho de 2010

A Estrada

Sempre podemos por lentes nas coisas para vê-las de outra forma, mas mesmo assim, elas nunca deixam de ter o seu real sentido para nós.



A Estrada

(André de Moraes)


Na noite em que nada parecia bem de repente me deu uma segurança como de uma criança que dorme nos braços de sua mãe. Estava numa estrada que me levava à sensações maravilhosas. Via-me carregando alguém no colo e sorrindo com alegria de quem vive sem se preocupar com o amanhã. A estrada não me oferecia total certeza daquilo que me tornaria, mas tinha uma refletida vontade de continuar. Passei noites em claro nessa estrada e não me importava com o dia se este clareasse, pensando o quão bom seria ver o nascer do sol para o feitiço do amor. Num momento parei. Vi uma flecha que atingira o coração de uma criança que buscava pelo pai. Tentei tomá-la no colo, mas o medo me restringia. Voltei-me para o meu coração e o instiguei porque fazia aquilo comigo. Busquei auxílio à companheira da estrada que também não sabia o que fazer, mesmo assim, continuávamos, perseguíamos algo que até então não estava bem claro em nossas mentes, mas parecia ser um futuro que não dependeria da duvida presente. Assim converti meu medo em esperança, mesmo não sabendo que rumo esta tomaria. Em certos momentos, me distraia da estrada e via novos rumos onde não poderia traçar acompanhado, e me voltava novamente para a certeza que me oferecia o caminho que hora traçava mesmo com algumas incertezas, mas com escuros que construíam. As canções que nos embalavam e marcavam os passos pareciam com a vida que ainda tínhamos para correr, sem cansar. Amigos que me mantinham com os olhos voltados para um alvo me envolviam pela sua experiência. A natureza que norteava os momentos de abraço não respeitava o asfalto nem o concreto de algumas porções que vinham e voltavam. Por vezes me ausentava da estrada para construir outros futuros que não excluíam tal caminhada, inverso, a estendia até mais perspectivas. Ausências que rendiam idas e voltas no trajeto a qual se tinha proposto. A volta! Sempre com notícias do que não se tinha vivido na perspicaz vontade de compensação. As chamas que aqueciam nossos dias disfarçados de noites, não deixavam de ter seus calafrios, mas que não pareciam fugir de tudo o que a força de um desejo poderia mostrar. Sorrisos não eram raros, confusões também não. Diálogos eram intermitentes e perenes os desentendimentos. Vou desistir... e logo as “coisas da vida” que Roberto Carlos ilustra em melodia funcionavam como explicação para o desconhecido. Atenuante de histórias ruins eram os doces e beijos não explicados. Abraços não se perdiam, mas encontravam um conjunto de frases que, sem sabem como medi-las, vagavam da boca de um ao coração do outro. A militância por causas nobres de interesse social permeava o caminho, o que deixava a estrada mais bela, longe das angustias de quem pensa no melhor e tem braços curtos para estender aos companheiros que sofrem. Cartas de longe, diziam não de solidões inexploradas, mas de poesia atípicas de quem não sofre e mesmo assim sente saudades ao ponto de mastigar a distância na espera do manancial da chegada. Brincar de ser feliz. Brincar com a felicidade. Brincar com as circunstâncias que ilustram mais que imagens em movimento, mas a complexidade de duas vidas tentando a singularidade que não abre mão dos olhos nos olhos e das mãos juntas. O alimento não sadio das beiras da estrada alimentava a alma em fadiga e acordava para que um momento se tivesse junto. Intrigas com os outros andarilhos mais maduros que nem sempre compreendiam o percurso perdiam para a inconseqüência da juventude. E noites, estreladas ou chuvosas, longas ou curtas, de sono ou de exagerada sobriedade ociosa. Quanta coisa interessante se vive nessa estrada que parecia não ter fim! De repente as notícias que chegaram da “rua” não eram tão compatíveis com as nuas calmas. Distantes na mesma estrada. Caminhando junto-separados não se via harmonia nos passos e se distanciava de forma que não podia alcançar. Tentei correr. Tentei voar, mas me faltaram asas. Vi que a forma de chegar estava no ceder. Estou errado! Não fui o melhor companheiro que minhas parcas experiências permitiam. Parei e sentei na beira, disposto a pedir carona. Voltou e me deu a mão que reluzia a oportunidade da redenção. Sem dúvidas, certo do que queria, levantei e disposto a continuar a caminhada em outro ritmo com um novo vigor e asas, quando... Um nobre desconhecido me acorda declarando meus delírios. Era um sonho... Que vontade de voltar a dormir!

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Intocando, Intocado

Dessas coisas nada a ver, saem outras tudo a sentir...




Um dia, ao ouvir uma música, pensei estar inserido nela e comecei a vivê-la.
Fiz tudo que ela indicava pensando que poderia ser tão feliz quanto harmoniosa era sua melodia.
Não deu certo.
Faltou-me alguma coisa que não soube explicar.
Daí pensei em como tinha perdido tempo tentando viver a música de alguém que talvez a tivesse composto no auge de sua estada na privada e me desiludi.
Segui o tempo e de repente outra música e fui tentado novamente a me apropriar de seu enredo.
Pensei.
Não me arrisquei.
Mais meio tempo depois, outra música, e outra e outra. Não entendi. Quando parei de pensar nisso, a música que tentei viver toca. Quando ia me revoltar vi que quem a tocava era um velho resmungão num andarilho violão.
Aproximei-me para verificar o que falava e vi que seus queixumes também eram por não ter conseguido ser a maldita música.
Compartilhei com ele a minha experiência e ele me falou: não podemos viver uma canção! Ela já existiu na história de alguém, mesmo enquanto possibilidade.
Tenho tentado a vida toda compor outra música que me ilustre, mas não tem jeito, ela já existe...
Louvores ao compositor!
E seguia o velho tocando, e permanecia, intocado, intocando.


....

domingo, 18 de abril de 2010

Monções de Inverno

"... sim, daquelas poesias expontâneas que fazemos quando o coração demanda se abrir! - dizia o cantador a mulher que perguntara como tinha feito com essas palavras..."


Monções de Inverno
(André de Moraes)


Em março te são as flores a que pertence
Junto aos vinhedos condensados, embriagantes
Molham as pétalas, secas ao sol, destiladas
Vívaras, árvores docentes e flertantes

Portas convidantes, con-vincentes ou semeadas
Ouvires seu ourives e os cantadores de estações
Ao cheiro de cálidas conversas sob lundus e cevada

Contemplação, cenas, peças, portícos e fadas

Rotas medidas, contritas a uma porção de amores
Mil artes no sentido dos mesmos destinos lentos
Fartas geografias inscritas nas palavras e sabores

Depois da ida, meios e tempos, nortes e ventos, vidas e cores


À Juliana, com amor.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"Cê"












Caminhos, construídos, concentrados
Certezas, comovidas, contempladas
Condições, cortesias, convidados
Curas, cadências, comparados
Comoções, contrações, confiados...


Cartas, céu, cordéis
Compreenção, convictos, consolados
Carinhos, curtidos, cavados
Cortinas, cobertas, cedidas
Canções, corações, completados...


À Juliana, com amor.


p.s.: título da foto: "por onde andei, enquanto você me procurava?"

terça-feira, 13 de abril de 2010

Uma Verdade Inconveniente... Tal Qual Algumas Questões

Me apropriando de uma atitude de um amigo, que ao entregar uma prova a um professor, tirava cópias desta e distribuia para que não somente o professor pudesse avaliar mas qualquer um que tivesse acesso ao conteúdo da prova, publico um texto que fiz sobre o documentário "Uma Verdade Inconveniente", ilustrando Al Gore, para a disciplina "Sociedade e Sustentabilidade" do mestrado em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da UFAM.



‘Uma’ Verdade Inconveniente... Tal Qual ‘Alguns’ Questionamentos

André de Oliveira Moraes


O que esperar de um político norte-americano divulgando informações científicas de forma jornalística com fins ‘ambientais’? E tudo isso na primeira aula de uma disciplina chamada “Sociedade e Sustentabilidade” num curso de Pós-graduação em Ciência Ambiental! O vídeo “Um Verdade Inconveniente” é um retrato dessa realidade cuja função ambiental absolve alguns (de)méritos. Nesse pequeno texto, pretende-se problematizar o aspecto político do vídeo, uma vez que somente por meio deste não é possível inferir críticas sobre a tese do aquecimento global defendida por Al Gore, sendo necessário maior aprofundamento do tema, não possível para esse trabalho.
O vídeo gira em torno da palestra de Al Gore (o mesmo que cobrou U$ 300.000,00 para comparecer a um ‘evento ambiental’ em Manaus recentemente) segundo o qual já fora ministrada mais de 1.000 vezes ao redor do mundo. Em verdade uma aula com o que há de melhor em recursos didáticos audiovisuais e subsídios científicos de ‘amigos’. Permeada por cenas da vida e cotidiano do palestrante, as informações são expostas constituindo os dados científicos associados a realidades fetídicas da paisagem ambiental. A imagem da terra como percepção da totalidade ambiental e da finitude dos recursos, a quase perda de um filho, o professor de geografia desestimulante e o professor universitário visionário, o processo eleitoral para presidente dos Estados Unidos da América, entre outros fatos são associados aos aspectos políticos e ambientais das mudanças climáticas. Alarmantes, urgentes, inconvenientes, necessários ou qualquer outro adjetivo que não tocasse de forma realmente incômoda ao motor da problemática ambiental que é o desenfreado modo capitalista de produção e o seu suporte consumista. A verdade pode se fazer presente no vídeo quando não há esforço nenhum em se aparentar o ‘ecologicamente correto’ mas no simples ato de reproduzir o vetor da insustentabilidade que é o consumismo ilustrado pelo estilo norte-americano de vida.
Os aspectos limítrofes da relação parcialíssima entre a questão ambiental e a política se mostram claros no discurso de Al Gore que, na forma do tradicional etnocentrismo norte-americano, apresenta a discussão nos termos de sua trajetória: a infância em uma grande propriedade, refletindo a concentração de terras; a derrota do pleito para presidência da república, sugerindo que também derrocava ali a chance da mudança ambiental no momento; o fomento ao papel messiânico dos Estados Unidos na resolução do problema climático curiosamente se apoiando no fato deste ser o maior emissor de gases do efeito estufa e, por isso, reivindicando esse status; e se apoiando no discurso malthusiano indicando, inclusive, os pobres como responsáveis pela pressão sobre os recursos. Tais aspectos permitem a problematização dos meios pelo qual a realidade fora exposta contando que esses não se justificam com vistas ao seu fim, no caso, o problema ambiental resultante do aquecimento global.
Partindo da perspectiva de ciência de Latour (2000) onde as relações sociais e políticas permeiam o ambiente da produção do conhecimento científico num movimento cíclico de ida e vinda, o vídeo pernicia a questão ambiental com o tema do aquecimento global entre aspectos da antropologia da ciência reconhecendo tais relações de forma explicitamente medíocre. A perspectiva ideológica da construção da informação no vídeo é evidente quando da exaltação da democracia norte-americana como fundamento político dessa solução sem, por exemplo, sequer criticar o ‘estilo norte-americano de vida’ baseado no consumismo. Ou seja, o movimento é contraditório e não se baseia em evidências da problemática social para fundamentar princípios ambientais que, aos olhos de Al Gore, são perfeitamente digeridas em suas fáceis proposições de tecnologias sustentáveis para os poucos que a ela tem acesso.
Entre dados científicos obtidos ‘amistosamente’ e cenas do seu cotidiano, Al Gore destina seu acúmulo sobre o tema em uma base científica parcial e politicamente escorregadia. Aos ‘céticos’ cabe hoje a periferia científica das publicações e os boicotes que Gore afirma ter sido imposto aos que outrora defendiam a tese do aquecimento. O que dizer de uma conferencia (COP15) onde um país tem mais de 1.000 pessoas na sua delegação para ‘discutir’ a temática? O consenso científico é importante em que escala? Quem são os cidadãos sem acesso ao conhecimento acadêmico senão receptáculos do pensamento dominante? E a tortura dos dados para que estes confessem que está esquentando? E com que olhar os estudantes de um curso de pós-graduação em Ciência Ambiental recebem essas informações?
Estas e outras questões surgem para problematizar e gerar o debate político próprio à questão ambiental tanto em sua face militante quanto científica. Nesse sentido, os especialistas são tão políticos quanto Al Gore. A diferença é que se a verdade está para a ciência assim como a conveniência para a política ou o inverso, para Al Gore isso é apenas uma conveniente questão de referencial.


Críticas críticas...

quarta-feira, 31 de março de 2010

O Violão Subestimado

Acredito 'fielmente' na função das artes na construção e divulgação do conhecimento científico. Mas ultimamente notei que meu violão não mais me acompanhava nas viagens de campo, para ministrar aulas, etc. Daí parei para fazer uma poesia tentando captar o que me diria meu violão por estar sendo subestimado em sua função artisitco-científica. Daí ele me falou o que segue durante a aula de Introdução aos Estudos Geógraficos na turma do PARFOR em Itacoatiara,em 05/02/10...



O Violão Subestimado
(André de Moraes)

No canto não mostro encanto
E ciência, seca e insolúvel, não tragada
Sem arte, musica-se o nada
Se do conhecimento me faz estranho

Se notas ou deixas no anonimato
E acordes não se conjugam para o sono
De método tão espa(r)ço no Chronos
E resultado sem ritmo, meio parado

Perco para o exausto silêncio
Na dispersão de palavras deslocadas
Meu som seria alento a revoada
E o saber fecundo a todos os momentos

Antes da ciência eram as artes...


Tirando as aspas da fidelidade, viva a arte das/nas ciências!

quinta-feira, 11 de março de 2010

Ataner a Otenos

Soneto feito por mim em fevereiro de 2007 para a querida amiga Renata Schimitt.


Ataner a Otenos

(André de Moraes)

Não vejo porque da ausente atenção
Se presente desatento o fará
Se corrente não realista será
As tentativas que os olhos trarão

Amparado pelo silêncio em vão
Com a tecnologia ao nosso favor
Sem ter de quem esconder, a rigor
O que deveras povoa o coração

Debalde estarei a descrever silêncios
Se os olhos não enxergam o latente
Presente que não deixou momentos

Perco as vias e porções do sono
Escrevo versos enquanto dormes
Pedindo licença, os abandono


...

segunda-feira, 8 de março de 2010

Às Mulheres...

Colegas, sabemos da contrução histórica da luta das mulheres e, nesse dia, deixo uma singela mensagem para estas dádivas.


Às Mulheres
(André de Moraes)

Às que lutam, minhas mãos para ajudar
Às que vão, meus pés para acompanhar
Às que choram, meu ombro para consolar
Às que voltam, meus braços para abraçar

Às que sorriem, minha poesia para registrar
Às grandes, um banquinho para poder alcançar
Às que entram, sensibilidade no abrir da porta ao chegar
Àscumprimentadas, cavalheirismo para a mão beijar

Às feridas, minha alegria para ajudar a curar
Às que sonham, meu amor para que sempre possam recomeçar
Às que temem, minha segurança para, em paz, continuar
Às cansadas, meu abrigo para descansar e, assim, voltarem o caminhar

Às carentes... é melhor deixar pra lá...


Parabéns mulheres!

quinta-feira, 4 de março de 2010

O que se passa...

Depois de ver o filme "O Jardineiro Fiel" fiz essa poesia.


O que se passa...


O que se passa pela mente, pelo dizer a verdade ou pelas palavras mal-ditas...
O que se passa pelo coração, pela cor sem ação e pelo estreito portão...
O que se passa pelo que se acabou, pelo que ainda não começou e pelo que se espera iniciar...
O que se passa pela disposição, se não dizes a posição e nem assim quer ficar...
O que se passa pelo carinho, para um menino um carrinho, para nós caminho...
O que se passa pela estrada, depois de passar é ex, e antes o solo trada...
O que se passa pelo bem, sendo assim não muito além, suficiente para quem...
O que se passa pela oração, um sujeito que clama, um predicado que vem...
O que se passa pelo afago, o afeto desconhecido, o fato consumido ou o produto consumado...
O que se passa pelo porão, sem saber onde colocar, nem sentir quando me tirarão...
O que se passa pelo sabor, língua que só tateia, corpo servido em porção...
O que se passa pela música, ca(n)tadores de poesias, restos nas ruas da partitura...
O que se passa pelo substantivo, simples em palavra, derivado em motivo...
O que se passa pelo traidor, dizer o que este atrai, algo muito além da dor...
O que se passa pelo passado, bem ou mal passado, o cliente sempre tem razão...
O que se passa pela vida, se já vi-vida não lembro, se nunca vi a senti em vão...


O que se passa não passa, fica na memória;
Apenas esparsa o passado amarrotado que nunca ninguém passou, mas não dá mais tempo, tenho que ir embora!


O que se passa...

quarta-feira, 3 de março de 2010

"O Caminho das Perdas"

Amigos, essa história de ficar em pós-operatório está rendendo. Já saiu projeto, está saindo artigo e agora no início o que era apenas uma poesia passa a ser minha mais nova música, em memória do meu Avô Daniel Batista de Oliveira.


"O Caminho das Perdas"
(André de Moraes)

Momentos refletem idas
Num horizonte qualquer, sem destino
E os pe(r)didos, amor, lamentos
Olhar atrás, à-Deus maior, seguindo o vento...

Caminhos livres conduzem, passam
Mas o velho não passa, engoma
Com café que nos passa a Manta
Condiz à luz, maturidade, caminho alcança...

A perda é o passar da posse
E com preces se busca a volta
Na volta se esfria a busca
Padece a prece, aquece a posse, esquece a perda...



Confira o vídeo total e literalmente caseiro (tão caseiro que foi gravado na casa do meu Pai) do refrão no link
http://www.youtube.com/watch?v=C_w9FXpRuS8


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A Literatura em Perigo!

Abaixo uma resenha que fiz de um livro maravilhoso que li nesse carnaval. Para mudar nossa relação com a literatura e ela mudar nossa relação com o mundo.


TODOROV, Tzvetan. A Literatura em Perigo. São Paulo: DIFEL, 2009.


Sempre me chamou atenção o Neruda não lido solicitado para devolução em “Tocando em Miúdos” de Chico Buarque. Uma alusão preocupante à pseudo-intelectualidade que a simples posse de um livro parece oferecer perfaz a reflexão. E mais grave que isso: não conheço uma pessoa se quer que ponha em cheque a importância da literatura em contradição aos baixíssimos índices de leitura no Brasil. O que está acontecendo? O que distancia as pessoas de algo que elas mesmas assumem ser vital? De repente, soa o alarme! Uma denúncia devidamente identificada aparece na França: A Literatura está em Perigo! A atenção de um leitor em Manaus, AM, Brasil cuida de tentar difundir o caso para que o máximo de pessoas possam se mobilizar para o salvamento. Disto se trata esse escrito: um alerta aos atentos e um atento os alertos.

A premissa é conhecida: os meios estão se convertendo em fins. A fortuna crítica é ditada pelos métodos via forma e não permite o contato do leitor com a simples e pura aventura da leitura. A literatura não é apresentada aos estudantes sem que estes tenham tarefas como analisar sintaticamente o texto. Regras gramaticais como abre alas não tem garantido que o público queira prestigiar todo o desfile literário com toda a riqueza e fantasia. A construção histórica desse paradigma reclama uma atenção ao fato da arte ter ou não a relação com o “mundo exterior”: serão polarizadas as opções em “baseada em fatos reais” ou “qualquer semelhança é mera coincidência”? Todorov esclarece que o diálogo da literatura com o mundo externo a ela deve se dar via leitor numa relação fecunda e criativa para o construto de novos horizontes de compreensão da realidade por este que decifra letras. “Todos os ‘métodos’ são bons desde que continuem a ser meios em vez de se tornarem fins”, pois a eles cabe surgir uma vez definido o objetivo, do contrário...

Os métodos são bem vindos. Podem ficar, tomar um café e aguardar sua vez enquanto a fecundidade emerge de paradas entre parágrafos para imaginar, rir, chorar. Depois se entende a engenhosidade do autor na “Construção”, com o qual podemos relembrar Chico novamente.

Depois de já ter lido a obra e parado por várias vezes para simplesmente imaginar, pensei na função metalingüística em segundo grau desta resenha e seu movimento. Um texto, falando de um livro que fala da literatura, com o objetivo de que os leitores cheguem ao livro e por sua vez, adotem outros caminhos para a literatura. Dentro e fora. Ir e vir. Sendo que a volta não pode ser como a narrada por Chico em “Trocando em Miúdos”, mas que chegar e partir, sejam só dois lados da mesma viagem, como Milton e Brant sugerem, o que com um Neruda, fica ainda melhor.


Leia!