segunda-feira, 19 de maio de 2014

A importância da Cultura

(Welton Oda)





Imagino que você seja uma daquelas pessoas que acredita ser fundamental conhecer o presente a partir de um olhar sobre a história, conhecendo a origem e os processos que contribuíram para a construção da realidade tal como a conhecemos. Imagino que também deva compreender a importância de conhecer outras culturas, outras formas de pensar e agir, elementos fundamentais para que você possa dialogar, relacionar-se socialmente e evitar certos preconceitos, de natureza social, racial, étnica. Certo?
É bem provável que conheça, ou ao menos tenha ouvido falar em Abdias Nascimento, um dos mais importantes nomes do teatro brasileiro, personagem que foi também Senador da República e realizou ainda um sem número de outras coisas importantes. Também deve conhecer um dos mais importantes intelectuais contemporâneos que atuam no Brasil, o antropólogo Kabengele Munanga, professor titular da USP e especialista em antropologia das populações afro-brasileiras. Como pessoa culta não deve ignorar os nomes de Ruth de Souza, Eduardo Silva, Rita Ribeiro, Romeu Evaristo, Altay Veloso, Itamar Assunção, Nelson Sargento, Flávio Bauraqui e Léa Garcia, pessoas célebres por sua atuação no teatro, na TV e na música popular brasileira?
Se não conhece (afinal, isso não é tudo), sendo uma pessoa culta, deve também privilegiar o domínio de outras línguas, como o inglês, o francês e o espanhol, mas, sobretudo aquelas que contribuíram para a formação do modo de falar do povo brasileiro, como o iorubá, o guarani, o árabe, etc. E, claro, a Rainha Njinga está presente em sua cultura pessoal tanto quanto Alexandre, o Grande. Uma pessoa como você não teria dificuldade de responder sobre os procedimentos adotados no tratamento da malária entre os cuiva ou entre os tucano, além de se interessar por mitologia, sobretudo a grega antiga, a dos povos indígenas americanos e a dos bantos.
Que ótimo! Toda essa sua cultura, esses conhecimentos universais, foram adquiridos em sua escola e na vida familiar com seus parentes e amigos! É certo que sua escola nunca foi do tipo que privilegiou apenas a cultura de matriz europeia. Se conhecimentos dessa natureza fossem pedidos a seus filhos, no ENEM, eles tirariam de letra, não é mesmo?
Agora sim, eu entendo perfeitamente que você seja contra as cotas!

Figura: Pintura de Kariny Sanchez.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Lua, Luxúria e Lamúria

(André de Moraes)

















O parco abraço não lhe foi suficiente
Para o coração que, por si, apertava um pouco mais
Todavia a razão se afrouxando ao lembrar-se dos ais
Via mais uma fração de vida sucumbindo ao deleite
De corpos que, em vão, se tornavam enfeite
E aos poucos se distanciavam do seguro cais

O desejo alado espalhava um pouco de nós
E apenas da pequena janela entreaberta se via
O que da mais alta montanha nada seria
Se não fora amalgamado entre tu nascente e eu foz
Que em farta medida se expressaria em voz
E cujo encontro se anoitecia naquele infinito dia

Na casa dos amores se despedia e voltava
Ao berço da solidão que muito lhe acolheu
Quando voltava a ser como criança que ainda nada viveu
E, chorando, despia-se das pétalas e voava
Para onde não lhe seria negado o calor da lava
E não mais lhe diriam que não era seu
O espelho mil vezes refeito para encontrar seu Orfeu
E o desejo de lhe ser muito além de palavra...

Figura: Suffer Love, Tracey EMIN (2009).
FONTE:http://goo.gl/KzoSSM

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Sobras de Loa

(André de Moraes)




















Sobrara um fim
A revelia de tudo o que se era emoção
Mantendo-se a sós com escassa porção
E negando a ausência de flores no jardim
Que solitário fora trocado pelo botequim
Onde fazia das perdas samba-canção

Sobrara um sorriso
De todas as festas na qual fora flor
De todos os instintos que lhe fizeram ardor
E meias vontades que haviam se ido
Sem tornar breve o farto sentido
Embriagava minhas páginas com seu calor

Sobrara um pensamento
De todas as vencidas verdades
Umas descobertas no vento
Outras para além de nosso tempo
Mas todas vestidas de certa vontade
A conversar sobre o devir da próxima idade
Mais lento se traduzia em voz e sentimento

Sobrara um olhar
Que mostrava brumas de belas liberdades
Algumas ainda por existir
Outras já com mais idades
Mas todas anunciando um pretérito provir
Nas pupilas escondidas, mas que não podiam mentir
Sobre a leal condição de ainda ser mais que metade

Sobrara uma mulher
Que mesmo deitada se sentia em pé
E no auge da sua fraqueza deixava vivo o cabaré
E desdenhava daquele qualquer
Que vendo a vida lhe faltava fé
Desejando a morte lhe sobrava ré
E que para ela, no fim, era apenas um mal-me-quer...

Figura: Banksy.