domingo, 22 de junho de 2014

Konante La Tago

(André de Moraes)



Pouco sabia ao certo
Exceto a melodia que aproximava
Mas no ausente cotidiano que ainda seria oitava
Algo fazia sentir perto
Do que vejo, embora ainda encoberto
Daquilo a ser erodido por palavras

Em suas mãos se tornava música
Mesmo as mais tristes e maltratadas platinelas
Fazendo felizes os sofridos sambas que jaziam nelas
Semeando, com nossas idas, a irreligiosa súplica
De mais uma vez ter aquele musical sorriso e sua lúdica
Talvez como Gil, esperando na reluzente janela

Sua voz agredia a imperceptível monotonia
E desconhecendo distâncias entre ouvido e coração
Conduzia-me de olhos fechados ao elevar do chão
Até a altura da desconhecida filosofia
Que, desistindo, dotava as emoções de tal autonomia
E me inebriava em ofegante suspiro e leve imersão
Onde confundia meu lar com seu colo ao violão
E minha noite permanecia noite, mas com ares de dia

Em seus pés dançavam os tempos
De outrora quando olhos não me eram suficientes
Para apreender seus movimentos, mesmo latentes
Que entornaram o então êxtase e agora lamento
Pela ingrata distância que me atravessa como vento
E me faz tentar cultivar, de longe, aquelas sementes

Em seus cabelos habitava o mar
E toda a desconhecida vida que nele há
Todo o azul emprestado do Céu
Refletido, em parte, na sombra do chapéu
Onde quase escondeu o harmonioso olhar
Que sem saber que em mim encontrara um lar
Devaneava em ondas, estrelas e nesse pretenso cordel
Que, falho de forma, mas de conteúdo fiel
Narra em exaustivo suas cores sem jamais lhe desbotar

Tago era poesia em detalhes
Como a melodia que nos despovoa
E volta em momento de sorriso à toa
Trazendo alegria em artesanal entalhe
Fazendo emergir do mais profundo vale
Aquilo que só com ela voa...


Figura: Drummer Girl, Miko Zen.
Fonte: http://mikoarts.com/art/paintings/30-drummer-girl