domingo, 25 de novembro de 2012

Caminho


Sem mais daquele aroma de vontades
Viajava no aleatório devir da lembrança
Na perdida razão da distinta esperança
Interrompia o humano ciclo de idades
Levando alegorias, palavrões e verdades
Jazia em todos, devaneios de criança...
(André de Moraes)






















Figura: Pintura "Despedida" de Álvaro Reja.
Fonte: http://minombre.es/victoriacaro/2008/07/28/donde-fracasan-los-suenos/

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Fluir




















 





Fluir
(André de Moraes)

Ali, inspirado de chuva
Percebia o dia no passear da hora
Ebulindo em si somente o agora
Quando gotas o tocavam sem luva
Deixando escorrer a visão turva
Via a tristeza, de guarda-chuva, ir embora...


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Árvores, Raízes ao Céu


(André de Moraes)
















As folhas que outrora se banhavam no vento
Naquela despedida se fizeram descontentamento
De um corte na consciência fazendo ir ao chão
Os caminhos da natureza que nunca foram em vão
Abortados pelo pragmatismo medíocre em sacramento
Que não passam de um olhar advindo de cego coração

A distante cidade do bem estar rarefeito
Despida foi da vida perdida em incomum leito
Pelos que amordaçam o verde em cruel insanidade
Deixando aflorar a olho nu sua prostituta verdade
Colhendo um uso-fruto que nunca semearam no peito
Por um vil pragmatismo de manifesta futilidade

As expostas raízes apenas sustinham o vão
Documentando em perdida seiva ausência e solidão
Afligindo aos muitos que ali cultivaram presença
Desta agora ferida árvore, todavia sua inocência
Cuja queda nos faz iguais ao estender a mão
Para levantar uma existência livre da humana doença

Assim declinava mais uma coletiva varanda
Onde pequenos ensejos suspiravam em demanda
Adormecidos sob sua sombra contavam os dias
E no exagerado sol despertaria, ao menos, a utopia
Na explícita vontade de manter uma vida cunhã
Recusando que nos ceifem idades e amanhãs
Novamente semeando a vida para que dê cria
E a terra no seu descanso seja mãe, filha e irmã...


Fonte da figura: http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2012/09/arvore-do-largo-sao-sebastiao-e-cortada-e-gera-polemica-em-manaus.html

sábado, 15 de setembro de 2012

Perdidos Em-cantos


Perdidos Em-cantos
(André de Moraes)




















Ao longe enxergava o latente desejo
E vestindo-a de vinho, vida e prazer
Nada servia senão o gole de um feliz amanhecer
Saindo de cena, evocava a solidão em cortejo
Mas não hábil em desfazer a lembrança do beijo
Abria sua postura somente em doses a volver

Incontido no particular escambo do corpo
Sem fronteiras lapidava os gestos imunes
Na efemeridade feita eterna para que coadunes
De frente calada, de costas falada ou gemido dorso
No pensamento não demoraria a germinar o caroço
Do adeus em sutil disfarce inalado como perfumes

Aos segundos delirados em cores
Nada atenuavam o desbotar primaveril
Pois o calor apenas predizia o presente frio
E no jardim nunca houvera os perfeitos amores
No corpo a lembrança e no pensamento os sabores
Chorou partida,
Acenou despedida,
E desceu ao rio
Onde fluídos romances apenas saciavam seu cio
E a correnteza levava, em troca, seus rancores...

domingo, 5 de agosto de 2012

Desleais Aparências

André de Moraes
















Ali perigos jaziam dispersos
Mas que ao menor anúncio de sua chegada
Convergiam às ruas em manifestação calada
E pendiam ao murmúrio em versos
Negando ao coração o acesso
Da inquieta lembrança outrora parada

Alquimias perdidas em contínua latência
Às desnudas sementes rompia-se o corolário
Esquecidas na fecunda terra do coração solitário
Brotavam em desleal e previsível indecência
Na rasteira medida da traiçoeira carência
Sem disfarces destilava o sentimento contrário

Doravante buscava, em minuta, o abraço
E, por farta paisagem, ao ensejo se abria
Condecorando as lágrimas da vil avaria
Nada fazia senão ornar um desfeito laço
Pelo calor imerso em ardil e artístico traço
Musicada ao soar do gesto que despedia

Mas feliz seguia sem salto, a caminhar
À revelia de sua imune maldade
Apenas catando ventos e colecionando idades
Fazia da feira de corações artesanais o seu lar
Onde vendia lenços úmidos de verdades
E amores baratos insistia em comprar...


Figura: Arte Digital Anndr Kusuriuri - Wave
Fonte: http://foradoeixo.org.br/claudiotalesman?npage=9

A Manaus das Paisagens Extemporâneas: os espaços dos cinemas nos tempos do centro e os espaços do centro nos tempos dos cinemas





André de Moraes



Lembro-me que, em meados da segunda metade dos anos 1990, havia em Manaus a campanha "Eu Quero a Nota" promovida pela SEFAZ. A intenção era incentivar os consumidores a exigir a nota fiscal visando diminuir a sonegação. Como contrapartida, qualquer pessoa que reunisse R$ 150,00 em notas poderia trocá-las por um cupom que incluía um “raspadinha”, com a qual era possível ganhar prêmios diversos, e um “vale-show”, que poderia ser utilizado como ingresso para shows, teatros, cinemas, jogos de futebol, entre outros eventos. Este último foi amplamente utilizado. Por vezes, ficávamos mais de três horas na fila do Cine Chaplin para assistir um filme. A espera passava a ser parte da diversão com as interações que ali ocorriam: pessoas se conheciam, paqueras, situações engraçadas. Aquele parece ter sido o último suspiro dos cinemas no centro de Manaus. Depois disso, ir ao cinema passou a ser quase sinônimo de ir ao templo do consumo.

A decadência dos cinemas no centro e sua absorção pelos shoppings é um indicador da depreciação da área central nas cidades e das novas dinâmicas de consumo concentrado. Num shopping não se vai somente ao cinema. Alí é possível comer, comprar uma variedade de coisas e mesmo ir ao teatro, show ou uma festa. Não somente em Manaus, como também em várias cidades pelo Brasil, os prédios no centro onde funcionavam as salas ganham novas funcionalidades (em Manaus o antigo Cine Chaplin virou o Casablanca Pub) ou se tornam cinemas pornôs (como o caso do antigo Cine Renato Aragão, na Av. 10 de julho, também em Manaus) Estes últimos, por vezes, são apropriados como microterritorialidades para prostitutas, travestis entre outras “lumpem-minorias” como forma de garantir seu trabalho longe da discriminação e violência conforme bem descreve o Antropólogo Alexandre Vale no seu livro No escurinho do Cinema: cenas de um público implícito ilustrando o caso de Fortaleza/CE.

Com o discurso asséptico de "revitalização da área central", que na verdade esconde uma estratégia para a reprodução do capital, é apregoado o resgate dessa simbólica porção espacial da cidade como uma forma de diminuir a marginalidade, ofertar opções de lazer para a população e promover o turismo. O poder público tem interesse nisso e vários são os motivos. Desde a higienização e regulamentação do espaço até uma facilitação para abertura de novos empreendimentos dos mais variados compõem as intenções. Existem programas do governo federal para “revitalização de áreas centrais”e mesmo específicos para reativação de cinemas via Ministério da Cultura. O planejamento urbano, ditado pelos interesses imobiliários, principalmente, visualiza nesse movimento oportunidades de novos mercados e, quase que somente isso, justifica a atenção prestada à área central.

O uso do espaço público deve, assim, estar sob a custódia do Estado que não reconhece formas alternativas de apropriação. Não tardará surgir em Manaus uma proposta de revitalização de um desses cinemas, talvez como forma de não ficar de fora desse movimento sob a alcunha do fomento à cultura, ao turismo e desenvolvimento urbano. Assim a paisagem da cidade vai se desenhando como num filme, onde ocorre a supressão/compressão de tempos e espaços. No tempo, a paisagem pretérita é revisitada e recriada no presente como se nada houvesse ocorrido entre as reformas de uma praça (por exemplo) e sua “revitalização”. Ignoram-se os aconteceres desse intervalo que marcaram pessoas que ali criaram seus lugares e não se identificarão uma paisagem extemporânea à sua vivência. No tocante ao espaço, tais quais alguns filmes que ocorrem em pouco cenários, privilegia-se alguns poucos pontos na área central para serem “luminosos” enquanto todos os demais continuam “opacos”. Induz-se, desse modo, que as tramas sociais que ocorrem na luminosidade sejam reconhecidamente morais e legais, enquanto tudo aquilo que se desdobra na opacidade está passível de reprovação, repressão e regulamentação. Segue-se, assim, comprimindo tempos, suprimindo espaços e ignorando vivências.

Manaus não é mesma. Na verdade, não existe o “mesma”. São tantas Manaus quanto variados forem seus olhares. Entretanto, se deixa predominar aqueles que, forçosamente, tentam manter a configuração do elenco entre os que a protagonizam (Estado e Capital), fazem participações especiais (turistas) e dos meros coadjuvantes (população, em sua maioria). Os cinemas estão totalmente sujeitos ao movimento da reprodução do espaço urbano marcado por conflitos. Seu retorno ao centro pode ser apenas um preciosismo nostálgico para o qual o Estado não tem o menor problema de participar ou via uma movimentação artístico-popular alternativa de revindicação do direito à cidade. Comercialmente, o centro perdeu para o o shopping e o cinema (comercial) é um dos indicadores disso. No entanto, essa pode ser a conjuntura propícia para que este seja apropriado pela população que poderá garantir outras lógicas para seu uso que não somente as do capital.

O papel (mesmo que não reciclado) do Estado nesse contexto está comprovado. Não sei se a SEFAZ alcançou seu objetivo fim de diminuir a inadimplência, mas a campanha garantiu acesso por parte da população à uma variedade e quantidade de eventos que dificilmente se repetirá. Essa iniciativa segurou os cinemas no centro por mais tempo com impactos significativos na dinâmica de lazer da cidade. Acredito que não precisamos de uma campanha semelhante para ressignificar o espaço central de Manaus e nem para reabrir cinemas. A cidade está cada vez mais distante do Centro. Talvez o impacto da abertura de salas de cinema nas zonas e/ou bairros da cidade seja bem maior e mais adequada considerando o objetivo de universalizar o acesso. Ao centro restaria ser a paisagem urbana síntese de todos: excluídos, incluídos e recluídos. O lugar de revisitação da geografia e história da cidade e de seus habitantes a serem exibidas em curta, média ou longa-metragem dependendo do quanto ainda restar das paisagens que dizem por si aquilo que não sabemos dizer por nós.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

E Por Falar em Saudade...


Sem a maestria do poeta e diplomata, ouso uma extensão poética de "Onde Anda Você" emprestando a primeira frase da canção como título. Candidato esta para ser analisada na disciplina de "Vinicionlogia", obrigatória para quem almeja o respaldo máximo para falar de saudades.


E Por Falar em Saudade...
(André de Moraes)

















Por onde andará aquele sorriso
Aqueles olhos de quase vidro
E aquele ar que não me fez pensar em outra coisa,
Senão djavanear um dia frio no deleite de um livro

Por onde anda aquela estrela,
Que a ausência me impediu de vê-la
Em som leve e ameno me levou à escrita
Dos feitos de um dom que agita e devaneia

Por onde andaria aquela saudade
Que parece ter me deixado com mais idades
Vêm e vão como um veleiro ao vento
Mas nunca esquece em nós nada mais que a vontade

Por onde andara os encontros
Que me comediram até certo p(r)onto
Voando pelos sonhos da emoção indolente
E fizeram de mim poesia, verso, prosa e conto

Sorriso, estrela, saudade e encontros.
Seja assim todos aqueles dias
Em que viva for a melodia
Que, vestida de sonhos, te durmirá num momento,
Te acordará em silêncio
E te sonhará em alegria


Fonte da figura: http://outonolima.blogspot.com.br/2011/10/outono-onde-tudo-comeca.html.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Entregue ao Segredo


(André de Moraes)

Sem inocência vem e me (e)leva em fortuito pensamento
Demarcando intenções em provocantes noites de fevereiro
Fluindo no poder de me fazer pensar ser este o derradeiro
De tudo entre o piscar, o abraço e qualquer outro insensato movimento

Os olhares fractais nunca me foram favoráveis de fato
Tampouco os beijos só publicados em muros de vontades
O permanente devir de nuas, devassas e perniciosas verdades
A quem lhe basta requícios dessa fatalidade dotada de tato

Aproximo-me, mais-que-suspeito, da mirada em latência
Sem subestimar a libertina poesia
Que, sem a menor culpa, seria
A sânie a suster secreta indecência
No auge do calor daquela resistência
Disfarçada, como quem não quer nada, viria

Entregue ao voluptuoso grito
Em covarde e vil rendição
Com as chaves perdidas pelo longo ocupar da mãos
E tato sensível pelo que outrora nem atrito
Longe, ainda, de manifesto alívio
Mesmo depois de vestida reacende o coração
Buscando, sedenta, novamente o chão
Invocando, destarte, o prazer em secreto vício...



Fonte da Figura: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=27303

domingo, 11 de março de 2012

Intenções

Intenções
(André de Moraes)



E esse estilo que me contorna em olhares
Um corpo em beleza escrita
Construindo ousadas insígnias
Aquecendo em amor nos bares
Em literais e camufladas perfídias
Caio em tramas e boleros
Transcendendo ao céu do delírio
Nada ao chão senão o martírio
Abaixo dos dançantes pés sinceros
Ao estreito convite de Eros
Liberto a alma e com palavras miro


Fatos nos invadem e se fazem provas
Da tenuidade ilimitada da perdição
Solta em consciente intenção
Girava nos meus braços após duas trovas
Despindo os olhos contemplava luas novas
E aos ares avançava em pueril rendição

Entornando litros de beijos arrancados
Voraz amava por dentro
E dizia não ser mais que intento
Os disfarçados roteiros premeditados
Que nunca ousariam outro momento
Senão o instintivo sentimento
No passado, contido
No presente, indomado
E no futuro, instrumento...


Fonte da Figura: http://universoparaleloemversos.blogspot.com/2011/09/segundas-intencoes.html

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Notícias de Quem Ficou

Carta a uma amiga de trabalho social e utópico.

Manaus, 23 de fevereiro de 2012.



A distância sempre foi algo que me intrigou. As lembranças de um cotidiano feito de pequenas, porém significativas, cores espalhadas em gestos cuja ausência deixa um tom de um preto e branco sem Carlitos. Um sorriso atravessado no silencio não seria muito se não fosse o acalentar de uma branda jornada em prol do soldo necessário a essa louca vida. E, assim, se vão os tempos que passam sem a presença sutil e marcante de um alguém que sobressai às multidões, de pessoas ou de pensamentos, que povoam o aqui e o ali. Fosse assim a vida, composta somente de idas, e as despedidas não seriam tão arredias. Mas a volta nos faz exercitar o consolo e a lamúria incontida na visão do retorno. O peso das conseqüências tardias mensura o espaço inocupado, mesmo que um canto, uma mesa todos transladados pela vastidão na sala fria. As notícias seriam perdidos versos de uma poesia que, em disritmia, sobrevive pela vontade de ser arte e perfume. A volta torna ornamento aquilo que devolve sentido e direção em quem toma o leme e conduz o que de si tem mais que um nome escrito, um despacho emitido ou uma incorporação por afinidade. Compreendemos que a falta não é o que pesa, mas sim a presença de outrora que persiste numa visita nada breve e incessante do recordatório diário escrito. Deste jeito vivemos o breve adeus em canções que se tocam sem que a queiramos cantar, de ausentes opções que nos fazem o regresso entoar como se fossem a derradeira porção de uma alegria nem sempre às ordens. O trecho auditivo da esperança alvoroça a comedida espera e devolve um brilho discreto e marcante às residuais lembranças cativas da crença. A simples hora de uma pequena fome ou a opinião carregada em imaginários transportes coletivos em essência interior da cativante e equilibrada experiência. Receptáculo das inquietações quase domesticadas, mas sempre ascendente a uma selvagem e árdua luta. O constrangido reagir frente às verdades quase exageradas publicizam notória humildade e, conotativamente, permanecem em delicado coração que aos muitos cativa. Sua ida ensina que sempre desejamos que a despedida fosse apenas o início do regresso. Por isso, nunca direi que fique, mas espero as boas notícias e, com ansiedade e leve desespero, a melhor delas que soará como afinados acordes ao ouvido em um refrão único e aliviante: a de que estás voltando.

Na espera da melhor das notícias,

André de Moraes


Fonte da imagem: http://weheartit.com/entry/6519275

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Poesia e Predicados


(André de Moraes)

A poesia é a linguagem da alma com sede
É o beijo dos táteis sentimentos em raiz
Um castiçal de alhures velas febris
A desmedida razão contrita ao ócio da rede

É o atentado contra verbos subjugados ao alívio
Rastreio do leviano coração daquela uma
Desdéns em altiva crise após a sua bruma
Romance em lascívia ternura do feroz cativo

São o desvirginar de noites deitadas e nuas
Permissivas vias jazentes em meio, fim e começo
Mapa cujo destino irradia sem muito apreço
A palavra resoluta à nau calçada das ruas

Poesias são desencontros à meia luz e vinho
Brilhantes olhares que festejam ao imenso
Arranjos vendidos logo passado o momento
Persistindo a vida sem regresso ao ninho
Encontra atrito e calor no corpo em carinho
No deleite das minúcias que chegam e vão com o vento...


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Resgate ao Nau-frágil

(André de Moraes)















Diga para que eu fique! E ficarei
Diga para que eu vá embora, e eu insistirei em ficar
Diga para que eu não te envolva que alerto sobre o frio no ar
Diga que hoje não e, talvez, o amanhã esperarei

Diga para que eu siga meu caminho e não mudará em nada o percurso
Diga para que eu corra e não irei se não puderes me acompanhar
Diga para que eu não cante e assobiarei em seus lábios nossos beijos
Diga para eu me ficar longe, mas não fuja do meu olhar
Diga que a chama apagou que te faço entender o real sentido dos desejos

Diga para que eu não fale e escreverei
Diga para que eu não escreva, mas não recuse os abraços
Diga que estás cansada que te reapresento meus braços
Diga que o que te falta que a engenharia serei

Diga para eu parar e, inerte, serei o teu colo mudo
Diga que não dá mais que eu te mostro o real limite
Diga que eu te dê liberdade que deixo entreaberto o convite
Diga para que eu fuja e eu te mostrarei o muro que nos separa do resto do mundo

Diga para que eu esqueça e te contarei as lembranças
Diga para eu morra, mas não negue cumplicidade na morte das nossas muitas saudades
Diga que amanhã não será mais e eu farei o tempo parar nessa idade
Diga que se rende e eu tocarei a música em lírios e você em dança

Diga para que... Aliás, não diga mais nada
Língua e boca não caladas
Mas sem palavra alada
Naufraga a despedida,
Façamos mil delícias
Na cama, na mesa ou na escada...



quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Imoradias

Ainda refletindo sobre o direito à moradia que nos é roubado em circunstâncias como a do Pinheirinho, em São José dos Campos, SP. Poesia, pois a revolta também se externa em arte.















Imoradias
(André de Moraes)

Isentos carregam olhares acima dos ares 
Um sul inflado esvazia o sentido da culpa
Atrevidas em alma que aos corpos se ajunta
E vão a luta com o pesar de quem busca lares

Famintos anseios fragmentados ao longe
Destituídos de medo afirmam a ordem em palavras
Ilumina o peito e na terra crava
O coletivo intento dessa história não há de perder o bonde

Cerrados, os pulsos ainda pulsam
Ex-pulsos não saem dessa terra, boca ou alma
Delírios dotados de revolta sem calma
Unidos revidam, em sua honra, as cabeças dos que não a usam

O estado não fez a lição de casa
Nada vê senão uma fina película de cidadania
Destitui-se mais que as famílias em imoradia
Na perversa busca por aquilo que lhe abrasa
O capital que fere ao muitos e somente à alguns bolsos alivia

Mas esperança vive em meio aos que sonham
Sem casa, ainda restam portas no coração solidário
Abrindo caminhos mesmo em incerto itinerário
Reacendem vontades e alimentos fracionam
Na incessante busca pela justiça tencionam
Questionando os que fazem do comum o raro
Que, sujeitando famílias a um preço frio e caro
Poupam-nos, pois a si mesmo sentenciam...

Fonte da figura: http://www.portalflm.com.br/

Flor-Ida, Flor-Volta

(André de Moraes)



Retalhos me soam adeus em navios
Onde chegam, fitam e partem olhos felizes
Em fascínios, abraços, vinhos e raízes
Descalças saudades se lapidam em rios
Passíveis cantigas de rodas em trios
Em fantasias que flui daquilo que dizes

O coração reclamava um rosto feliz
A página se despia à minguante lua
A alma minha, o corpo findo e a boca tua
Mastigando as horas em silêncio diz
Harmonia e luz, melodia e cor, ritmo e rua

Em calçadas imprimiste o relicário
Vagando nas sínteses de um certo cantador
Que vestido de vulto toma o violão sem nada impor
Aquecendo-a gira em dança a saia em ramalho
Voltando trapezista a reluzir o temporário
Dos ímpetos maoris dessa linda e delicada flor

Flagrantes perdas me deixam e, em si, vão
Recitando as horas num cestinho desejava
Elevada ao destino em primo vôo alçava
Com instrumentos cozia rico e farto pão
Movendo sabores, jorrando palavra, talhando caminhos à mão

Escondendo-se à porta que nunca trancava
Arrebentada em secreto por vício, anseio e paixão
Não entregue, todavia, a qualquer um em qualquer porção
Senão à seara da liberdade e do amor
Como alimento dado à leal utopia
Embriagando o mundo de eterna euforia
Sempre disposta a desabrochar ao sentir o coração em calor...