segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Manifesto Periplanetário - Todo apoio aos professores do Rio de Janeiro

Reproduzo aqui o manifesto do Coletivo Periplaneta de Manaus/AM (da qual comecei a fazer parte) em apoio aos professores do Rio de Janeiro. Sem muitos pudores... Horror é porrada em professor!



Manifesto periplanetário
Todo apoio aos professores do Rio de Janeiro



Inicialmente, pedimos desculpas aos companheiros professores, já que este manifesto não dialogará exatamente com vocês. Esta sequer é a nossa língua. Estamos a nos expressar desse modo, usando do que seria pretensamente a linguagem culta ou, em outras palavras, a norma padrão, para nos dirigirmos a esta suposta “elite”, para que estes débeis mentais não nos tratem, como fazem com freqüência, como pessoas estúpidas e fracas de raciocínio.

Assim, Senhores Tecno-coronéis, este manifesto não traz nosso ressentimento, nem sequer constitui uma ameaça, consistindo, digamos assim, numa mera constatação. A história do homem na face da terra mostra que as relações entre nós e vocês são marcadas por constantes conflitos. Nós? Bem... nós somos o que vocês chamam de “gente diferenciada”, “gente humilde”, “pobres”, “comunidade carente”, “favelados”, entre outros eufemismos. Vocês são aqueles a quem chamamos de “playboys”, “burgueses”, “patrões”, “doutores”, “chefes”, etc.

Podem nos bater, podem tentar nos trucidar, nos humilhar, estuprar, ridicularizar, mas enfim... a mesma história mostra que entre vocês há uma visceral dependência de nossos préstimos. Tal dependência fica evidente em cada momento cotidiano de sua vidinha medíocre. Suas mãos gordinhas e delicadas não prestam sequer para lavar seus próprios talheres, calcinhas e cuecas, sua bunda mole parece viver colada ao assento da poltrona e seus dedos aderidos a controles remotos. Vocês precisam de nós até mesmo para educar os seus filhos, tamanha a vossa inutilidade. Não custa lembrar também que até mesmo sua residência opulenta foi construída por nós, já que seus braços mal sustentam o peso de um carrinho de mão. Aliás também guardamos vossa residência, pois também no campo da segurança pessoal vocês não possuem muita habilidade. Proteção essa que não se limita à guarda de vossas fortalezas da invasão de estranhos, já que precisamos protegê-los de vocês mesmos e de sua ganância desmedida. Mulheres burguesas querendo matar seus maridos, filhotinhos dos patrões querendo a fortuna acumulada pela família, enfim, essa psicopatia toda que os acomete requer, muitas vezes, nossa intervenção também.

A questão é que não somos tão dóceis e confiáveis assim, fofuras! Aliás, nem em vossas flácidas esposas vocês podem confiar, não é mesmo? Caso não saibam, somos constantemente requisitados. Personal trainings, seguranças particulares, jardineiros, pedreiros, encanadores e... Puxa, como são carentes e generosas conosco! Também limpamos e cuidamos de vossa casa, não esqueçam disso. Tanta coisa interessante tens em suas mansões, hem? É tanta, mas tanta coisa que, quando algum de nós, muitas vezes por ser privado desses caros bibelôs, surrupia-os, vocês mal percebem a falta, não é mesmo? Aliás, cá pra nós, um objeto ou outro do qual vos desapropriamos é pouco diante do que nos roubam diariamente com esses salários mixurucas, as falcatruas com dinheiro público, as maracutaias em empresas privadas para sustentar vossa vida nababesca.

Outra questão, “nobre” interlocutor: pare de nos impingir a pecha do vício, da marginalidade e de outras mazelas ligadas ao tráfico de drogas que ocorre, de fato, nos morros, nas “comunidades”, mas que é financiado quase exclusivamente por vocês. Gerações e gerações de nossas famílias são escravizadas, vivendo em contexto de guerra civil para sustentar vosso vício. Vício esse, aliás, que cultivas para vos livrar de certo vazio interior, de certa falta de perspectiva causada pela vida excessivamente ociosa e, enfim, para vos livrar das tais psicopatias às quais nos referimos anteriormente.

Bem, nossa argumentação buscou deslegitimar vosso discurso, que atribui a nós e somente a nós, pouca inteligência, desonestidade, indolência (aliás, nisso vocês podem assumir, sem modéstia, que são insuperáveis), entre outros atributos. Não somos ingênuos a ponto de acreditar que, entre nós, não existam indivíduos portadores de tais atributos, buscamos apenas mostrar que vocês não são tão cultos, inteligentes, bem criados e honestos como apregoam.

Por isso, aumentar vosso aparato repressivo contra professores em greve não vos trará mais conforto e segurança. Vossa violência é o alimento de nossa indignação! Cuspiremos mais viscosamente em vossos mcburguers, treparemos com mais vontade com vossas filhas e esposas e, acreditem, tiraremos vosso sono, não daremos trégua nessa guerra que declararam contra nós! Mais do que isso, não pense que isso é por revolta ou ressentimento, sentiremos enorme prazer, dormiremos felizes, compartilharemos essas histórias em rodas de samba, capoeira, em bate-papos na esquina, na padaria, no café, na cozinha da sua casa, no volante do seu carro.

E, claro, como educadores que prezam sua história e sua origem, contaremos a vossos filhos o papel de cada um de nós na sociedade, diremos a eles quem são os latifundiários, quem são os banqueiros, usineiros e, enfim, faremos com que sintam vergonha de terem pais ignorantes, corruptos, lobistas e de fazerem parte desta corja de canalhas. Ensinaremos que eles não devem votar em vocês, que o preconceito social é uma coisa estúpida e que corrupção é um crime hediondo. Faremos da sala de aula um espaço de formação de massa crítica, de promoção da indignação, de organização dos oprimidos. Criaremos Robin Hoods entre vossos herdeiros e denunciaremos os reais criadores dessa sociedade de merda em que vivemos: vocês.




Figura: Marco Ney.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Pesquisa do CEST revela que diversidade cultural marca a história recente de Tefé, Amazonas

Guilherme Figueiredo
Antropólogo, Professor do Centro de Estudos Superiores de Tefé (CEST) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA)



Entre 2006 e 2009, e depois em 2012, 17 turmas de normal superior, pedagogia, geografia e história do CEST/UEA participaram do projeto Olhares de Tefé, que tem como objetivo conhecer a história do município a partir do levantamento das histórias de vida dos seus moradores. Uma explicação mais detalhada do objetivo pode ser encontrada no novo livro do CEST "Múltiplos Olhares em Educação", que será lançado nos próximos dias. Em grupos de 1 a 4 estudantes (647 no total), que tinham liberdade para escolher os seus entrevistados, foram feitas 253 entrevistas com homens e mulheres de quase todas as profissões e idades. Apenas as crianças ficaram de fora.

Os estudantes deixaram registros sobre os critérios que utilizaram para escolher os seus entrevistados, e surgiu um traço marcante: a busca de pessoas que consideravam exemplares por sua vida pessoal, familiar ou graças às suas contribuições para a cidade. Foi possível, assim, aparecer a tradição de se tecer a história como a narração de feitos e personagens exemplares, que foi reconstruída na pesquisa. A tecedura de narrativas, para além de uma busca meramente objetiva de dados, vem sendo uma reflexão e produção coletiva de memória regional, renovando criativamente e fortalecendo os valores e as identidades tefeenses. Um ponto a se destacar é que se até poucos anos atrás se podia contar nos dedos os redatores na história escrita regional, agora já podemos falar de centenas de escritores.

Recentemente foi feita a contagem de parte dos dados sócio-econômicos registrados nos relatórios, e um dos resultados mais surpreendentes foi descobrir que a grande maioria dos tefeenses não nasceu em Tefé. Dos 253 entrevistados, 173 declararam o município de nascimento. Destes apenas 50, ou seja, 28% nasceu no município de Tefé, sendo que grande parte nasceu nas comunidades. Em segundo lugar vem Fonte Boa, com 15 pessoas equivalentes a 8,6% dos declarantes (muitos também oriundos da zona rural). No total, foram declaradas 42 cidades, 9 estados e 5 países de origem, em uma amostra de apenas 173 declarantes!

Esses números revelam que Tefé não é provinciana, isolada e simples. É uma cidade cosmopolita e possui a complexidade cultural e social de uma metrópole, com muitos dos seus aspectos positivos e negativos. É provável que o auge da migração para Tefé tenha ocorrido nos anos 80 e 90, a partir da chegada da Petrobrás e de inúmeras outras empresas e instituições, mas muitos dos entrevistados estão aqui há mais de 40 ou 50 anos. Por outro lado, é possível que uma amostra de crianças e jovens revele proporções bem maiores de pessoas nascidas na cidade. São tefeenses de uma geração cuja marca maior é ser composta de filhos da mestiçagem histórica e cultural proporcionada pelas migrações. Mas isso não quer dizer que a migração de crianças e jovens seja pequena. Uma pesquisa recente do Instituto Mamirauá e divulgada no jornal A Crítica de 2/9/2013 revelou que 76% dos jovens da Reserva Mamirauá migraram de suas comunidades nos últimos anos, sendo que 77% deles estão indo para áreas urbanas.

Dessas descobertas podemos concluir que a xenofobia, que parece ter aumentado nos últimos anos, não tem base na história e na composição social da cidade. Portanto, não é eficaz como estratégia política. Algumas pessoas aderem à xenofobia com a intuição equivocada de que ela pode levar à melhoria da autoestima individual ou da população. Isto é um erro muito grave. Um exemplo bastante conhecido é o do povo Alemão que, ao se valer da xenofobia para elevar a sua moral levou a Europa ao Holocausto, massacrando 6 milhões de judeus e depois sendo novamente massacrado e humilhado na II Guerra Mundial. A xenofobia vem sendo fonte de legitimação dos massacres e da exploração de povos indígenas, negros, árabes e outros em todo o mundo. Favorece grupos que querem concentrar privilégios e impor os seus interesses por métodos autoritários.

Embora atinja pessoas de todas as classes sociais, as principais vítima da xenofobia são os filhos e filhas das populações ribeirinhas que formam os bairros de periferia e são estigmatizados como "galerosos" e "prostitutas", o que legitima toda sorte de exploração e opressão. O preconceito faz com que sejam discriminados nas escolas, empregos, no atendimento à saúde, segurança, e ainda nas ruas, praças, festas, etc, numa humilhação permanente que os educa a serem "peões" excluídos de todos os direitos humanos e constitucionais, e a se conformar com as formas mais extremas de exploração do trabalho braçal e sexual.

A composição histórica e social de Tefé, no entanto, aponta para a possibilidade de se caminhar na direção oposta: o cosmopolitismo e a valorização da diversidade cultural. É verdade que há inúmeras maneiras de se manipular essa diversidade para reforçar a dominação e a exploração, como vimos acima, mas ao mesmo tempo a sua valorização pode servir para legitimar e fortalecer a luta pela democratização econômica, cultural e política.

Grandes pensadores da antropologia nos levam à compreensão de que o diálogo intercultural é a principal condição para a invenção de novos saberes, arte e tecnologia. Eles já demonstraram que todas as conquistas apresentadas pela civilização ocidental como símbolos de sua superioridade jamais foram criações originais, e sim o fruto do contato dos povos da Europa com os demais povos do mundo. A análise histórica mostra que, uma vez colocado um desafio que exige conhecimento, arte, tecnologia e novas instituições, a maior diversidade de culturas em contato aumenta a probabilidade de se encontrar respostas e soluções.

Seguem abaixo os dados completos das declarações de município de nascimento dos entrevistados do projeto Olhares de Tefé:

Tefé - 50 - 28%
Fonte Boa - 15 - 8,6%
Uarini - 13 - 7,5%
Maraã - 13 - 7,5%
Alvarães - 12 - 6,9%
Manaus - 9 - 5,2%
Juruá - 8 - 4,6%
Carauarí - 6 - 3,4%
Benjamin Constant - 4
Coarí - 3
Jutaí - 3
Ceará - 2 (contando com os nascidos no Ceará que declararam a cidade o número chega a 6 - 3,4%)
Eirunepé - 2
São Gabriel da Cachoeira - 2
Atalaia do Norte - 2
Envira - 2
São Paulo de Olivença - 2
Jaguaribe (CE) - 1
Araraquara (SP) - 1
Codajás - 1
Icoaraci (PA) - 1
Gilze (Holanda) - 1
Carapanatuba (MA) - 1
Oberhausen (Alemanha) - 1
Amaturá - 1
Altos da Viúva (CE) - 1
Crato (CE) - 1
Fortaleza (CE) - 1
Itamarati - 1
Regente Feijó (SP) - 1
Foz do Iguaçu (PR) - 1
Espanha - 1
Peru - 1
Terra Santa (PA) - 1
Japurá - 1
Borba (AM) - 1
São Gotardo (MG) - 1
Parintins - 1
Óbidus (PA) - 1
Cruzeiro do Sul (RS) - 1
Tacima (PB) - 1
Cruz Alta (RS) - 1

Total - 173 de 253 entrevistados declararam o município de nascimento
42 cidades
9 estados
5 países

Livros e textos utilizados nesta reflexão:

FIGUEIREDO, Guilherme Gitahy de. Olhares de Tefé: uma proposta metodológica. In: COELHO, Leni; PONTES, Cilene; BEZERRA, Rita. Múltiplos Olhares em Educação. Curitiba: CRV, 2013.

GOODY, Jack. O roubo da história: como os europeus se apropriaram das ideias e invenções do Oriente. São Paulo: Contexto, 2008.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e História. 5ª ed. Lisboa: Presença, 1973.

MIGRAÇÃO de jovens na Reserva Mamirauá é de 76%. Jornal A Crítica, 02/09/2013. Disponível em: <http://www.mamiraua.org.br/pt-br/comunicacao/noticias/2013/9/2/migracao-de-jovens-na-reserva-mamiraua-e-de-76/> Acesso em 13/09/2013.

PRATT, Mary. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. Bauru: EDUSC, 1999.

WOLF, Eric. A Europa e os povos sem história. São Paulo: EDUSP, 2005.


Obs.: A ideia de pesquisa com grandes grupos tem créditos do Professor José Siqueira Benites, também pertencente aos quadros do CEST/UEA.


Fonte da Figura:  https://www.facebook.com/groups/140209889459276/

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Barricadas

Uma micropoesia libertária inspirada nas "manifestações dos últimos dias" (sem alusão ao nome de igrejas...)





Barricadas...
Onde renasciam utopias em rascunho
Com o coração aberto e cerrado o punho
Adotavam a luta bastarda
Semeando ao mundo o que aparentava ser nada
E deixando esperança como testemunho
(André de Moraes)


Fonte da figura:  http://oglobo.globo.com/pais/terceiro-protesto-contra-passagem-de-onibus-em-sao-paulo-8659306

domingo, 26 de maio de 2013

Descoberta

André de Moraes




Horas se amanheciam bem vindas
Para aquele dia das muitas liberdades
No interno ser que, em si, comunidade
A condição de tornar incerta a medida
Abandonando qualquer volta por uma nova ida
Ao vislumbrar, em sutil cena, nova realidade...


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Permita-se

André de Moraes















Numa louca chuva de vontades
Uivava baixo o comedido coração
E longe de saciar o interno leão
Apenas domesticava as tempestades
Sem sonhos, utopias nem liberdades
Ao Fim da chuva, enxugava o chão
Esperando, debalde, um breve verão
Perdia pro tempo, vidas e idades...


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Bloco da Frei José dos Inocentes 2013

"Eu sei, eu sei. Lá vem o bloco do Frei. Eu sei como é que é, eu sei como é que é, é o Bloco do Frei José!" (Marchinha do Bloco Frei José dos Inocentes 2013)


Em algum dia de janeiro, na primeira edição da roda de samba da Vivenda Verde na casa do Cléber Cruz, soube do Bloco da Frei José dos Inocentes. O Cléber, que estava entre os compositores do bloco afirmou ser um bloco de rua bastante original e animamo-nos em participar no carnaval de uma das primeiras ruas de Manaus.

No dia 12 de fevereiro de 2013 presenciamos a terceira edição do bloco e realmente tratava-se de uma programação da comunidade. Alegria, diversão e irreverência. Algumas figuras da comunidade (Nazinha, Dona Chiquinha, Seu Zé, Tita) e o próprio Frei José foram convertidos em "Marotes" (bonecões como os tradicionais de Olinda) e desfilavam no bloco.

Da minha parte, deixo o pequeno fragmento poético que fiz depois de participar do Bloco e as imagens captadas de um celular para testemunhar.


Tempo Folião
(André de Moraes)

Em blocos rendia-se à vontade
Na inundante folia nunca assaz
Mas em seu coração, feliz como jamais
Explorava sua vasta e oculta liberdade
Onde sonhos ignoravam suas idades
E sempre voltam ao mesmo cais
Onde prometeram viver sem iguais
Para, em seu tempo, sofrer a leal saudade...



Placa de identificação da Rua Frei José dos Inocentes.


Primeiro desfile dos Marotes, ainda de dia.

Matores preparados para o desfile. 

Nazinha, a irreverente moradora mais antiga da rua com o folião fantasiado e a criança.

Os carros transitavam na rua normalmente uma vez que a organização não pediu solicitação da prefeitura para interditar a rua. 

 A banda!
 
Participação de músicos no Bloco.

Momento de animação. 

Cléber (que não é o Cruz) e Diana com um dos Marotes


Marote da Nazinha e os foliões fazendo "trenzinho" ao seu redor.

A trupe: Cléber (que não é o Cruz), Juliana, Folião Fantasiado (não perguntei o nome), Diana, André e Álvaro.

Para ter uma ideia da animação no Bloco.

Fotos e Vídeo: André de Moraes.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Visita aos Waimiri-Atroari Ainda é Incerta

Comissão Nacional da Verdade, que investiga violações contra direitos humanos durante a ditadura, planeja vir ao Amazonas


Originalmente Publicado por ACritica.com.

Há três meses, a Comissão Nacional da Verdade criou uma comissão específica para investigar violações contra os índios do povo suruí, cuja terra está localizada no Pará, durante a ditadura militar. A psicanalista Maria Rita Kehl, que integra a CNV, já iniciou os diálogos com os jovens que vão ajudá-la nessa investigação, colhendo depoimentos dos indígenas suruí mais velhos.

No Amazonas, a expectativa é que uma comissão nesses moldes também seja desenvolvida junto aos índios waimiri-atroari, povo que, segundo relatos do indigenista Egydio Schwade, do antropólogo Stephen Baines, da jornalista Verenilde Pereira, e de tantos outros que trabalharam com este povo, também foram vítimas da ditadura. Há uma estimativa que duas mil pessoas da etnia tenham morrido durante o processo de ocupação de suas terras para construção da rodovia 174 e construção de empreendimentos para exploração e escoamento de minério dentro de suas terras.

Não faço parte do comitê no Amazonas da CNV, mas tenho acompanhado os debates, as deliberações dos seus integrantes, bem como as notícias referentes a estes debates. Uma dessas notícias era (ou é, depende ainda de decisões a serem tomadas) que Maria Rita Kehl viria a Manaus neste mês de fevereiro. O roteiro incluía reuniões em Manaus, em Presidente Figueiredo e, claro, em uma das aldeias do povo waimiri-atroari. A data prevista da visita estava marcada para os próximos dias 22 e 23.

Soube na semana passada que esse cronograma não está confirmado. O plano esbarra na dificuldade de organizar até o dia 22 os representantes das 30 aldeias waimiri-atroari, segundo explicações do coordenador do Projeto Waimiri-Atroari (PWA), Porfírio Carvalho, dado à CNV.

Sendo assim, há agora um impasse se essa reunião e a visita de Maria Rita deste mês vão ou não acontecer. A outra alternativa é aguardar final de março, que é quando poderá ocorrer uma grande reunião de todas as aldeias waimiri-atroari.

Dois parênteses. Para quem não sabe, o PWA é quem coordena as ações junto aos waimiri-atroari – e não a Fundação Nacional do Índio (Funai) – desde os anos 80. O PWA é um programa da Eletronorte criado para compensar os imensos impactos sociais e ambientais causados na terra dos waimiri-atroari pela Hidrelétrica de Balbina.

Desde então, qualquer contato com os waimiri-atroari é feito por meio do PWA. Eu mesma não sei como é essa relação. Nunca entendi. Das vezes que tentei (sem sucesso) ir na aldeia dos waimiri-atroari os contatos sempre foram PWA e não Funai. O acordo de criação PWA foi firmado para durar 25 anos, prazo que se encerra, aliás, neste ano de 2013. A Eletronorte ainda não informou se vai renovar.

Esperemos que as notícias sobre os crimes da ditadura junto aos waimiri-atroari não fiquem apenas nos relatos descritos nos texto de Egydio Schwade e outros indigenistas que conheceram aquela realidade.

Corre uma versão que os waimiri-atroari não estão muito empolgados em falar sobre este período. Que, segundo consta, eles não estão animados para não desenterrar esse assunto. Pode ser. E pode não ser. Para tirar qualquer dúvida, o ideal seria perguntar dos próprios. Para que tudo se esclarece, que não permaneça oculto ou abafado. Se eles não querem falar, é melhor saber diretamente deles. E não apenas de uma aldeia ou de um grupo. Mas de todos.

Enviei um email para o Porfírio Carvalho para que ele responda sobre a dificuldade de reunir representantes das aldeias para o dia 22 e a reunião do final de março. Assim que ele responder, acrescentarei neste texto.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Disperdício

André de Moraes



















Numa louca chuva de vontades
Uivava baixo o comedido coração
E longe de saciar o interno leão
Apenas domesticava as tempestades
Sem sonhos, utopias nem liberdades
Ao fim da chuva enxugava o chão
Esperando, debalde, um breve verão
Perdia pro tempo vidas e idades...


Fonte da figura: http://poesiasdamariazelia.blogspot.com.br/2010_11_01_archive.html

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O Mal do Ingresso Universitário Precoce

André de Moraes


Já é de praxe que todos os anos se tenham casos de aprovação de estudantes que não concluíram o ensino médio nos exames de ingressos nas universidades públicas (vestibulares e ENEM). Estes acionam a justiça para acelerar sua formação e garantir a vaga. Nesse ano não foi diferente. Alguns jornais de Manaus noticiaram alguns casos envolveram a Universidade Federal do Amazonas – UFAM e a Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Com isso, surge um debate que não podemos nos furtar, pois diz respeito a todos nós e, neste texto, exponho o porquê em dois pontos que considero principais.

Em primeiro lugar, que há uma questão de bom senso. Não se pode exigir de um adolescente que acaba de sair da infância uma decisão dessa magnitude tampouco os pais podem exercer o total controle sobre a vida dos filhos ao ponto de decidirem-na. Com muita propriedade, a Professora e Pedagoga Arminda Mourão, Diretora da Faculdade de Educação da UFAM em entrevista à A Crítica alerta que adolescentes de 16 anos não têm maturidade suficiente para o ingresso na faculdade considerando as etapas necessárias para o desenvolvimento intelectual e contato com temas importantes que o ajudarão a maturar essa escolha. Alguns dos exemplos que conheço são emblemáticos. Dos colegas que ingressaram comigo na UFAM com esse perfil, alguns disseram que teriam feito outro curso se tivessem tempo para escolher; outros abandonaram para fazer outras coisas; houve quem se formou, mas não atua na área de formação ou atua e não se sente realizado; há quem ainda esteja na universidade indo de curso em curso; poucos estão satisfeitos. Óbvio que somente uma pesquisa poderia ser mais precisa nesses dados, mas o cenário não parece que seria muito diferente deste. Todavia, o status que ainda representa o ingresso precoce na faculdade pública (não tenho notícias de tamanha ansiedade para ingresso numa faculdade privada) é capaz de ofuscar todos esses fatores em virtude de um prazer imediatista que pode resguardas desagradáveis conseqüências com as descritas.

Outro aspecto refere-se aos custos (na concepção mais ampla da palavra) da evasão no ensino superior, que pode ser resultado das escolhas equivocadas. Segundo a pesquisa do Professor Oscar Hipólito, o país chega a perder 9 bilhões de reais com a evasão no ensino superior. Não é uma cifra tímida. Este recurso poderia estar sendo revestido em melhoria de infraestrutura e ampliação de vagas das universidades públicas. Isso sugere urgentemente que pensemos em estratégias de diminuir esses índices de evasão ao assegurar maior nível de precisão na decisão dos jovens estudantes que ingressam nas universidades. Enquanto no Amazonas, e certamente em outras partes do Brasil, muitas famílias lutam por um ingresso precoce de seus filhos, há uma tendência mundial no sentido contrário. Uma iniciativa, ainda recente no Brasil, que visa garantir um intervalo qualitativo entre o ensino médio e a faculdade já está em curso e é muito bem vista. Conhecida no Brasil como “Pré-Graduação”, esta permite ao estudante uma experiência diferenciada com todas as áreas do conhecimento incluindo ciência, filosofia e artes como forma de qualificar sua escolha (mais informações nesse vídeo). É importante destacar que se trata de um serviço que não é barato e o governo não dispõe de tal. Mas é uma experiência importante para ajudar a pensar esse processo de precipitação rumo ao ensino superior que estamos presenciando.

Sobre essa questão, verifiquei que nesse ano a UEA questionou o pedido de matrícula de um estudante que não havia concluído o ensino médio e que a direção da UFAM aparentemente nada faz a esse respeito este ano (e talvez nem nos anos anteriores) sem, sequer, problematizar a situação internamente. O questionamento da UEA foi importante para se travar minimamente um debate que resultou em algumas outras reportagens mesmo a apelação tendo sido negada pelos desembargadores. A questão está longe de um consenso ao passo que existem posicionamentos de servidores do poder judiciário que reprovam o ingresso precoce como é o caso do promotor Sérgio Fernando Harfouche, titular da 27ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude. Todavia, ainda é insipiente o debate sobre o assunto. Mas os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Amazonas não estão sós em cometer o desfavor de promover o ingresso precoce. Está em tramitação na Câmara o Projeto de Lei 6834/10, de autoria do Deputado Federal Sebastião Bala Rocha (PDT-AP), que permite a matrícula em universidades para estudantes que tenham concluído o segundo ano do Ensino Médio e sido aprovados em exames de ingresso. Ou seja, já existe uma tentativa de formalizar todo o desastre anunciado com uma justificativa paupérrima (acesse o projeto na íntegra aqui). Acredito que esta é uma pauta importantíssima para a educação no país e as universidades, como espaços de formação intelectual e crítica, não podem se furtar a esse debate, mesmo por serem as mais atingidas.

Por fim, deixo a ótima reflexão feita pela professora Amélia Luisa Damiani do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. Esta destaca que a expectativa de vida vem aumentando no último século e, contraditoriamente, as pessoas parecem ter mais pressa em definir suas vidas quando poderiam aproveitar melhor as fases. O “tempo” social urbano está viciado no imediatismo pragmático que não permite experiência outras que não estejam amarradas a palavras como relógio, despertador, expediente, hora. Sair desse ciclo é dificílimo depois que se é absorvido pelo mundo do trabalho. Então, por que adiantar esse universo para um adolescente que ainda nem consolidou suas experiências pessoais e sociais? Isso é preocupante. Faz recordar o não reconhecimento da infância no período da revolução industrial onde as crianças eram tratadas como meros adultos em miniatura. Só existe perda de tempo para quem se ilude acreditando que tem sua posse total. Logo, deixemos que os ciclos se completem. Se assim não for, em pouco tempo estaremos formando crianças exigindo que elas tenham atitudes de adultos, ou seja, uma incoerência sem tamanho.


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Infantasias

(André de Moraes)



Infantil parecia
Aquela euforia
De acorde e melodia
Universo faria
Um quintal teria
Uma flor bastaria
Brincadeira seria
A visão de uma pia

Festa e fogo, domaria
Em busca encontraria
Domingo companhia
Notável o dia
Assiste em romaria
Destino não adia
A estrela corria

Cores sentia
Amores havia
Levantava e caia
Sem dor sorria
Fundando poesia
O lugar via
Carnaval e fantasia

Abraço ardia
Contato Maria
Olhar sentia
Lar abrigaria
A solidão se ia
E paz aparecia
E voltando movia
Ao despertar alegria


Fonte da figura: http://ajuda.discoverybrasil.uol.com.br/operacao-sorriso/