terça-feira, 23 de dezembro de 2014

O Feliz Entardecer da Lembrança

(André de Moraes)


Poderia ter sido somente mais uma tarde. Mas acabara sendo um anoitecer desses raros, quando o sol se põe triste por que não mais poderia ver nossos sorrisos. A companhia, o cavaquinho e o violão e aqueles corações. Tudo o que se precisa para não deixar o tempo passar em vão. Antes ornado com a felicidade de quem ama e se perde no tempo e no espaço ao fechar os olhos.

Queria descrever o dia que se foi
E antes de notar sua feliz saída
Já tornava aquelas vidas anoitecidas
Para que o sonho fosse ali e a dois
Cúmplices da impossibilidade do depois
Com a sempre iminente partida...

Perguntava apenas por que não poderia o tempo estar ao nosso lado. Em se demorar naqueles segundos que não pareciam ser suficientes para descrevermos nossas tantas intersecções. E ali eu lembrava o porquê das primeiras paixões... A música dava sentido a tudo o que não poderia falar de outra forma senão cantando.

Dali partira feliz e pleno
Como se a viagem se ousasse completa
E o abraço de partida fosse o mesmo da chegada
E refletisse toda essa vontade calada
De tudo se tornar um perigo sem alerta
Onde a canção a deixaria nua e coberta
No nosso lento rio ou mesmo na veloz estrada...

Custara tão pouco de mim que acabei agradecendo sem saber bem a quem ou a o quê. Entendi que não precisamos ter explicação para tudo o que nos acontece, pois certas coisas não precisam ser explicadas. Bastam-nos que nos aconteçam. Basta que nos mostrem que o chão pode ser tão alto quanto a montanha e aquilo tudo tão verdadeiro quando a vontade de que um sambista tem de explicar a saudade.

Brincando de adiar o fim
Olhava o céu que parecia mais aberto
Mas à lembrança de que o longe estava mais perto
Antes de no dia, anoitecia em mim
Como anúncio de que seria assim
Mesmo eu insistindo que isso não era certo...

Entre a casa, plantas e nós mesmos, o céu era o único que parecia imune ao tempo e, por um momento, quis me dissolver nele para roubar-lhe essa virtude. Mas daí pensei...

Todas as cores que ainda temos que ver
Todas as músicas que ainda temos que ouvir
Todas as poesias de parede que temos ainda que escrever
Todo o amor que ainda temos que sentir
Todos os sabores que ainda temos de provar
Todas as pessoas que ainda temos que abraçar
Todos os lugares aos quais ainda devemos pertencer
Todas as portas pelas quais ainda temos que entrar
Todas as mãos que ainda temos que apertar
Todos os corações que ainda temos que aquecer
Todas as bebidas que ainda têm que nos embriagar
Tudo aquilo que ainda dará mais sentido para nosso nascer...

O tempo deveria passar. Mesmo aquele momento quando nos perdemos um no outro e a última coisa que queremos é nos encontrar para não acabar a brincadeira.

Como quem faz uma poesia
Temperávamos o tempo
E apenas depois me visitara o pensamento
Dos sabores e inebrios que aquilo continha
E, todavia, entendendo por que partia
Não me furtei ao leve lamento...

Sim, ele deve passar. Mas sua passagem deve ser como aquele trecho do livro que nos faz interromper a leitura e olhar para o horizonte. Como a música nos parece infinita com aquela vontade que nos dá de cantá-la, e cantá-la, e cantá-la... “Mi despedacito de río, hastá donde bajarás?”

Mas o tardio sorriso havia desabrochado
Talvez ao seu tempo, sem pressa
Como as muitas vidas que um rio atravessa
E, mesmo na serenidade, não se exime do brado
Corri para que meu coração estivesse sempre ao lado
Das palavras que a entreguei como promessa
De nunca mais se acabar aquela conversa
E deixar seu colo de mim sempre ornado...

Num depois totalmente dependente do antes, apenas conclui que, naquele momento, pareceu-me que havia descoberto o lugar até onde meu pedacinho de rio havia de ir... E ali não mais chorei. O menino havia sorrido junto conosco...




sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Connfissões

(André de Moraes)




Com as mãos a esconder
A ele sussurrou um pouco de si
Sorrindo, chorando e deixando cair
Algo que sequer havia de colher
Mas ciente do calor a volver
Voando, deixava-se ir

Jamais esquecera o segredo
E na última palavra que a faria sorrir
Quando lembrar era o início do partir
Na viagem das criações e desejos
Sorrindo como se soubesse desde cedo
Das carícias que lhe faria até dormir
Como cordas que vibram ao sentir
O violão em contato com meus dedos

Guardou como se trancas não houvesse
Os detalhes do amor que nunca lhe pertencera
Deixando o literário destino sempre à beira
De uma audaciosa vida que nunca esmorece
Ao contar à lua sobre quando anoitece
Às flores como surge a primavera
E às abelhas como se faz mel e cera

Confessou ao sol sobre suas idas
E nada mais lhe cativou no devir da memória
Apenas novos dilemas de sua velha história
Curtas em tempo, mas em espaço compridas
Que servia aos amigos como inebriante bebida
Com doses únicas de fracasso, luta e glória

Olhou para o que restava de tempo
Algo havia passado imune a sua alegria
E não mais haveria de encontrar de dia
Mas tão somente em sonhos e lamentos
Quando em tecido converteria o remendo
Na descoberta do sentido daquela anistia
Que se sobrepunha a uma tristeza tardia
Amalgamado em prazer intenso e lento

Baixinho lho falou novamente
Sem ideia de que não seria em vão
Pois, como tudo partira do coração
Dispersava no chão e no ar a semente
Que seria como chave para a mente
E chuva que inunda o coração...


Foto: "Connfissões ao Pôr-do-Sol", Rio Negro, outubro de 2013. (por André de Moraes).

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Na Solidão do Espinho*

André de Moraes


Recusara-se a despedir-se do momento
Onde todas as suas vidas se viram num abraço
E muito além do movimento que rompia o laço
Esquecia as razões e buscava costurar o tempo
Como quem canta para reverter um lamento
E as ruas percorre como se fossem seu o traço

Recusara-se a aceitar aquela vida
Como quem se atira ao desafio de ser mais
Do rio cada vez mais perto dos longos varais
Onde secariam lágrimas tornado-as jazidas
Contidas nos versos infinitos daquela partida
Cujo desmontar aliviariam a já aberta ferida
E, em cada passo, uma porta deixada para atrás

Recusara-se a compactuar com a ida
E lhe restara apenas o lindo e triste mosaico
Que transgride todas as leis do coração laico
Ao suplicar em oração pela noturna visita
Restando-lhe ornar-se para a próxima saída
E voltar com metade de si sem a outra ao seu lado


Recusara-se a aceitar as paredes
E liberdade era o desejo do seu olhar
Como descobrir nas músicas que escutamos sem atentar
À sua oculta água que saciaria as muitas sedes
Como a de ter o calor daquelas cúmplices redes
E o espaço que quisesse para amar

Recusara-se a aceitar a questão
E xingava as respostas que nas mãos tinha
Abrindo o espaço para o que ainda mantinha
Daquele abraço quase perdido na sua emoção
E desesperada por mais doses daquela porção
Ao recordar do paladar que a levava até a vinha

Recusara-se a descer daquela viagem
Enforcando o tempo para que morresse aquele momento
E vendendo seu futuro por um pouco mais de chão
Libertando as feras como tentativa em vão
De novamente amanhecer sem esse vil incenso
Exalado na pequena distração do pensamento
Que a deixou sóbria durante seu melhor verão
Mas ignorando esse destino que lhe era solidão
Ascendia à música, ao meu ouvido e ao firmamento


Recusara-se a deixar a hora passar
No receio de uma proximidade maior da distância
Cercava de vivas lágrimas a tropical lembrança
Invocada dos lugares onde haveria de colecionar
Tudo de si que seria convertido na esperança
Que suspira, a cada amanhecer, uma nova dança 
E mais histórias que a permitam navegar

Recusara-se a recolher-se em contentamento
Vestindo-se de muitas flores, perfume e cores
Tinha sol em todas as ruas de seu pensamento
Vagueando nos vestígios dos desejos sedentos
Da presença que dava sentido aos sóis-em-pôres
Em cuja luz dissolvia o real sentido das dores
E sentenciava ao secreto os seus tormentos

Recusara-se em continuar a chorar
E enxugando o mesmo rosto do beijo ardil
Levantou-se, ainda caída, e pôs-se a nadar
Para o único lugar onde o poderia encontrar
Indo mais fundo naquele já conhecido rio
Almejando viver mais para ceder àquele cio
E nunca, nunca mais deixar-se naufragar
A não ser para afogar seu medo de amar
E imergir em seu coração aquele velho navio...





*O título é um trecho da música “Faltando um Pedaço” de Djavan que fez parte do momento que propiciou a composição da poesia e foi essencial para tal.
Imagens:
(1) "Refuse", by Fae.
(2) "My Eyes Refuse to Accept Passive Tears" by Agnes Cecile;
(3) "Refuse" by Elisa Camahort.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Claves de Sol(lidão)

André de Moraes

Resolvi ouvir, atento, aqueles discos
Companheiros do gesto vazio e mudo
Que da face triste exaltavam tudo
E da alegria expunha somente riscos
Reduzindo grandes amores à mitos
Num tom de beleza derivado da tristeza e do luto

Ouvi atento Cartola cantar
Os muitos choros no violão
Que nada diziam em vão
E nos refaziam em breve soluçar
Pelas memórias outras que insistíamos em visitar
Mesmo quando esquecer estava à mão

Ouvi atento Vinícius de Moraes cantar
E certo que havia descoberto a regra quatro
Escondido na paixão tátil daquele abraço
Mas que ao fim do lado b me faria voltar
À saudade de um samba a trastejar
No violão cujas cordas se fizeram laço
Como pintor que nos transforma em traço
E, por breve momento, inibe o tempo que não ousa passar

Ouvi atento Paulinho da Viola cantar
Descobrindo que não apenas o mar quem me navegava
Mas me (s)urgia nova ilusão daqueles olhos que a tudo iluminava
E, no recôndito das minhas vontades, estava a desabrochar
Um samba sobre a finita razão pelo qual deveria tudo parar
Devido ao meu leviano coração que não me deixa negar
Os naufrágios dos portos nos quais atracava

Ouvi atento Adriana Calcanhotto cantar
E visitava a triste oficina de xícaras e corações
Onde milhares de cacos eram transformados em porções
Algumas de amor
Outras para mais dor
Mas boa parte delas para a arte de voar
Na ilusão de um amor em cada porto deixar
Partiam sumindo nas nuvens dos chuvosos verões

Ouvi atento Chico Buarque cantar
Oscilante entre a gota d’água e a ofegante epidemia
Desesperado ia ao chão onde fora entornada a poesia
Sem, todavia, o disco do Pixinguinha recuperar
E de todas as lamúrias que se poderia chegar
A certeza de que estavas além das outras três descia
Naquele vácuo onde até mesmo a Geni descansaria
Como no vão da noite com profetas embriagados a jurar

Ouvi atento a Velha Guarda da Portela cantar
Com os olhos rasos d’água e lembrava da partida
De quem a proximidade me era alegria felicida
E com olhares, poemas e beijos me fazia sonhar
Mas depois do renovar do dia haveria de restar
Somente as muitas identidades que a dediquei na lida
Que agora eram acordes e goles para curarem a ferida
Até aquela velha alegria de tempos atrás voltar

Ao final ouvi atento meu violão
Que nada me dava senão todas as lágrimas
Artesanais em forma, mas massivas como em fábrica
Aflorando o desejo impossível do meu coração
Fazendo-me voltar à solitária condição
De teorizar a saudade para que ela deixasse de ser prática
E, assim, vestir os olhos da minha realidade nada plástica
Cantando o sonoro, velho e triste refrão...

Minha, quem disse que ela foi minha...


Foto: Vão-se o sol, o barco e o amor... Pôr-do-sol em Tapauá, Amazonas, Brasil (André de Moraes, 2014).

terça-feira, 9 de setembro de 2014


 angustia

Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.

Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!

Álvaro de Campos

Figura: http://www.apsicologa.net.br/angustia.html

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Soa em Rascunho

André de Moraes


















Tudo o que a amizade escondia
Um dia se pôde fazer concreto
Tão intenso quanto encoberto
O firme e delicado desejo pelo dia
Quando o teu corpo, enfim, me encontraria
E o curvilíneo caminho se tornaria reto

Das frágeis testemunhas ocultava
O breve e latente juntar de olhos
Que desejavam além dos colos
E da cumplicidade que badalava
Em anunciação à torrente de lava
A jorrar dos nossos férteis solos

O passado não nos era mero vestígio
Peças despidas de leve sentido vago
Como tímida foz para um imenso lago
Haveria de ser pequeno e intenso alívio
Como festil infértil ao gerar um filho
E o doce sofrimento de ouvir um fado

O redor, não tão acolhedor, machucava
E juntos decidimos a tônica do porvir
Rascunhando o imediato e deixando fluir
A distância de quem outrora próximo estava
Absorvendo o silêncio de uma fria sala
Percebia, com o tempo, a contradição vir
Com desconfortável novidade ao sentir
Que mesmo quando o presente se trava
E o almejado futuro nos torna draga
Nosso passado ainda é capaz de mentir

Dias e noites felizes nos eram imersão
Naquele universo distinto do linear tempo
Cujo voltar sempre derramava ares de lamento
E demorávamos a reconhecer o chão
Deixando vida como o germinar de um grão
Em cada segundo que nos tornávamos vento
Em cada lugar onde preenchíamos o vão

O mundo um dia fora o nosso limites
Das viagens perfeitas e dos lares outros
Quando a ida aliviava o local sufoco
E descontinuavam as esperas e convites
Outrora perdidos nos sempre presente deslizes
Do cotidiano laboral, sentimental e mútuo
Onde a vida seria fracionada para tornar pouco
Aquilo que poderia tornar tudo mais triste

Tal qual a primeira caverna tardia
Foi-me o sentido daquela partida
Embora havendo quem me ornasse em acolhida
O coração suspirava e no peito se comprimia
Buscando espaço para o eu sentia
Via-se nos olhos desafiados pela despedida
Predizendo a tristeza não comedida
E a felicidade que, embora bem vinda, se ia

Assim, fragmentos de vida se construíam
Fazendo-nos sentir o acúmulo de todas as vésperas
Dando sentido àquilo que um dia foram apenas etc’s
E agora de reticências não passariam
Jogando ao mar as lembranças que doíam
E guardando as boas para valsas céticas...




















Fotos:
1) Outono em Portugal, André de Moraes (Guimarães, Portugal; dezembro de 2013);
2) "Unlocked Love Bridge", André de Moraes (Rio Sena, Paris, França; janeiro de 2014); 

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Para que Serve um Debate Televisivo Entre Presidenciáveis?

André de Moraes













Ontem, dia 26 de agosto de 2014, ocorreu o primeiro debate entre os presidenciáveis na TV Bandeirantes. Então resolvi escrever esse texto que não busca analisar os desempenhos ali encenados, mas o debate (o programa televisivo) em sim enquanto “continente” uma vez que, para o “conteúdo”, não faltarão analistas. Por um motivo não aleatório, esse é um programa que chama atenção generalizada. Afinal ali estão aqueles que podem definir os rumos do país não destituídos de todas as suas articulações e da conjuntura em geral, óbvio. Mas, numa inquietação particular e compartilhável, problematizei a função de um debate televisível de presidenciáveis como veículo de “consensual” importância eleitoral e cheguei a algumas questões.

O debate como insumo para o marketing político

O debate ocorre na televisão onde tudo que se passa é composto de aparência e tem potencialidades publicitárias em essência. Por que seria diferente com o debate? Imagino os comitês de campanha virando a noite de ontem para hoje para editar as falas com recuperação de imagens e vídeos antigos para comparações e veiculação no horário eleitoral de hoje. Mas também buscando elaborar memes para tentar “viralizá-los” nas chamadas “redes sociais”, entre outras iniciativas. Ou seja, por um lado as emissoras buscam audiência com o debate por trás de um discurso de responsabilidade social e utilidade pública, por outro geram insumos publicitários aos comitês que, com alguma sorte/azar (dependendo do referencial), podem conseguir um impacto eleitoral considerável. Didaticamente, a discussão deixa de ser política e passa a ser meramente eleitoral e mais, deixa de ser eleitoral e passa a ser publicitária.

O debate e sua essência superficial

Alguém tem dúvida de que aqueles discursos são milimetricamente construídos pelas assessorias estratégicas de marketing político, etc.? No fim, o debate soa como uma grande distração que não chega à faculdade da coisa. O que mais importa parece ser a disputa por um desempenho retórico de quem mais se aproxima de um dado perfil de presidente, sobremaneira difícil de explicar. Como inserir num debate televisivo todas as tramas sociopolíticas e seu conteúdo ideológico que, no fim, é o que norteará um governo? Simples, não se insere. É algo de formação básica cuja ausência remete aos problemas mais elementares de educação, etc. Cada vez mais distantes de um debate político qualitativo, as aparência ganham relevo e renegam ao segundo plano o mais importante que é o posicionamento teórico-ideológico do qual derivam ideias, projetos, propostas e todos esses “pragmatismos” falaciosamente elevados ao primeiro plano político-eleitoral com jargões do tipo “vote em propostas”.

O debate e sua incrível função redentora à despolitização

Penso que seja consenso que a grande massa da população é alheia à discussão política em níveis alarmantes. É difícil afirmar os motivos disso, mesmo por que não parece uma relação linear de causa e efeito. Isso posto, também é razoável afirmar que as eleições são os momentos em que a população é minimamente instigada a dar atenção a questão política e muitos atendem esse chamado. Daí entra o incrível papel do debate com redentor à despolitização. Não raro, existem pessoas sujeitando seu voto ao resultado (resultado?) do debate. Não satisfeitos, julgam candidatos e candidatas com posicionamento ideológico, uma vasta história política e complexas articulações a partir de um desempenho totalmente ensaiado e superficial naquele momento. Não tenho muitas dúvidas em afirmar que quem condiciona seu posicionamento à um debate de algumas horas, provavelmente se omitiu da discussão política por muitos anos. Como face da mesma moda, acredito que quem busca acompanhar a conjuntura política constantemente dificilmente mudaria sua opinião a partir de um programa de algumas horas, sejam esses partidários ou não. Assim, o debate é algo construído reconhecendo esse cenário e totalmente apto a reproduzi-lo.


Não arrisco conclusões sobre esse tema visto sua complexidade. Apenas decidi compartilhar algumas questões para discussão. Em todo caso, uma análise de desempenho de um candidato-ator ou candidata-atriz não quer dizer nada fora do contexto. Por isso penso ser realmente útil discutir o debate em si e não somente seus resultados totalmente subjetivos e, consequentemente, de difícil mensuração. Além disso, o efeito que esses programas surtem naquilo que se convencionou chamar de "opinião pública" é inegável, o que os deixa passiveis de mais atenção para quem deseja compreender esse processo. Não é o caso de não mais assistirmos os debates, mas de apenas não sermos tão inocente ao ponto de pensar que eles esgotam a discussão ou são o clímax das eleições quando, em verdade, são apenas sínteses incompletas do cenário político-eleitoral-publicitário.


Fonte da figura: http://jornalmetro.com.br/wp-content/uploads/2014/08/estudio-band-debate-andre-porto-metro.jpg

terça-feira, 26 de agosto de 2014

A Viagem Hermética

André de Moraes



















Estava desenhando no céu e lembrei do dia em que fui à lua. Era uma nave de papelão e uma imaginação de seda. Reciclados os desejos redundantemente almejados de ser àquele longe-solidão e voltar ao perto-multidão. Mal sabia eu que o longe, povoado de pensamentos, me faziam tão multitativo... Eram muitas as metades que, mesmo justapostas, não faziam inteiros, mas permitiam combinações e fertilidades. No movimento dos vales e das terminativas saudades era o calor do atrito fundamental entre a palavra e seus labirintos. A lua despida. O imenso contido. A volição com-pressa. O sensato perigo e a fragmentada prudência vagavam nos indumentários batismos de uma cena deliciosamente não ensaiada. Sem luzes, era-me refratário o lugar das muitas perdas. Doravantismos me faziam não querer voltar. Mas, do mais parco pretérito, me seduzia a sankofa sem nunca encarar. Lembrava-me dos deixados, dos permanecidos e das borradas nuvens lacrimais. Deixava ali meus semblantes e suas tessituras e ao simples voltava sem a companhia de Moebius. Voltava às multidões tardias e ali era um eu entre muitos de mim. Chovia-me intensamente. Depois, enxuto de certezas contava as histórias, atos e assaltos. Não fossem as crateras teria corrido. Mas a nave continuava de papelão e em seu lugar seguro, o chão. O ponto no alto era apenas mais uma daquelas incógnitas luzes que nunca amanhecem. Apenas deixam a sensação que poderia ter sido mais. A lua era minha. Não mais quis desenhar no céu. Embora ainda não satisfeitos os olhos, me bastava a mente e o coração em colorismo. Dormi uma estrela, sonhei a Lua, virei metade do céu.


Figura: Grafiti de Mário Belém na Galeria Arte Urbana, Largo da Oliveirinha (Lisboa, Portugal)
(www.mariobelem.com / facebook.com/mariobellinni)
Foto: André de Moraes

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Na Contramão da Cultura: Prefeitura de Boa Vista Fecha a Casa do Neuber



Em meados de 2012, Neuber Uchôa e sua família acrescentaram no seu já considerável repertório de ações em prol da cultura local de Roraima e regional da Amazônia o espaço Casa do Neuber. Hoje fiquei surpreso em saber que o local foi autoritariamente fechado pela prefeitura de Boa Vista, RR e divulgo aqui a nota de esclarecimento e indignação de Carolina Uchôa. Sou totalmente solidário ao Neuber e sua família nessa luta e estou a disposição para ajudar a estourar as bolinhas amarelas dessa damurida. Areia!

André de Moraes

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NOTA DE ESCLARECIMENTO E INDIGNAÇÃO, por Carolina Uchôa

A vida inteira eu vi e ouvi meu pai cantando e adorando a sua terra, mesmo quando teve motivos para desistir, diante de tanta dificuldade a qual só se sabe quem é artista, sobretudo em Roraima.
Sempre vi a luta incansável do meu pai, para nos criar e alimentar do que há de melhor, inclusive intelectualmente – nos preparando dia a dia para sermos, eu e meus irmãos, seres do bem, éticos e proliferadores de nossa cultura e de nossos costumes -, numa demonstração diária de amor a nossa terra. E essa educação se estende ao povo de Roraima e aos seus fãs e admiradores, por toda a sua vida. Um povo, que há pouco tempo atrás tinha vergonha de si, andava de cabeça baixa, sorria com a mão no rosto, batia continência pra qualquer um que chegasse gritando autoridade “sabida” e só ouvia música internacional, nas rádios (que, por sua vez, são comandadas por políticos). Fomos criados para pensar, questionar, criar, para amar as pessoas e não as coisas. E a felicidade que todos andam atrás é perene em nossa vida, independentemente de qualquer bem material. A herança que meu pai vai nos deixar não tem valor calculável. Está acima do bem e do mal. E isso me basta para viver e ser. Nunca tivemos carrinhos de controle remoto, nem bonecas importadas, tampouco conhecemos a Disney. Nosso parque aquático é cachoeira, nosso carrossel é ciranda de roda, nosso carrinho é de rolimã, nossa boneca é de pano.
Nós somos uma família do bem, diferente de oligarcas do mal que predominam (por enquanto!!!) em nossa terra. Somos uma família de artistas, de pensadores, de articuladores culturais, de disseminadores de amor e música. Nossas notas são musicais; quem quiser que se mate por cédulas.

INTERDIÇÃO DA CASA DO NEUBER

Fechar uma casa de arte, um centro cultural da forma que a Casa do Neuber (meu pai) foi fechada, é abuso de poder. Uma verdadeira falta e respeito com todos nós e com nossos amigos, frequentadores da Casa. Foi um verdadeiro papelão o que a Prefeitura de Boa Vista fez. Fecharam a quadra com oito viaturas policiais e uma do corpo de bombeiros (forças que deviam chegar sempre para salvar e oferecer segurança e não o contrário, como foi feito), adentrando a casa fortemente armados, com metralhadoras em punho, ameaçando covardemente a integridade e a vida de todos os que ali estavam, visto que , a casa funcionava normalmente, com público presente, artistas e minha avó, uma senhora de 74 anos - a qual ficou visivelmente abalada. ASSUSTADOR! Essa Casa é nossa, é dos artistas, do povo, da alegria. E deveria ser enaltecida e apoiada pelo poder público - que nada faz pela cultura, não o contrário.
Tudo por causa de uma documentação atrasada. Me poupe! Devem os fundos (milhões e milhões) para Deus, o diabo e o mundo, e vêm querer atravancar justo uma casa cultural, que cobra míseros R$ 10,00 de entrada para pagar os artistas que se apresentam??!! Eu não consigo engolir isso.

Será que entraram no lugar certo?!

Dia desses houve uma fuga em massa de bandidos da Cadeia Pública; os hospitais estão caóticos, as escolas idem.O lixão é jogado irresponsavelmente no Rio Branco, de onde vem nossa água consumida. O dinheiro público ninguém sabe pra onde vai. Será que meu pai é bandido, pra ser tratado desta forma???

Não é qualquer rasteira que vai nos derrubar! Por que sequer saímos do chão. Quem anda olhando os outros por cima é urubu.

Que venham os próximos dias, com música e poesia nas nossas vidas.
Voltamos já, queridos amigos. Com site novo, projetos lindos e o astral que vocês já conhecem

Voltamos já!

COMPARTILHEM A VONTADE! obrigada.

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Fonte da figura: http://vanbrandao.com.br/category/edicoes/page/15/

domingo, 22 de junho de 2014

Konante La Tago

(André de Moraes)



Pouco sabia ao certo
Exceto a melodia que aproximava
Mas no ausente cotidiano que ainda seria oitava
Algo fazia sentir perto
Do que vejo, embora ainda encoberto
Daquilo a ser erodido por palavras

Em suas mãos se tornava música
Mesmo as mais tristes e maltratadas platinelas
Fazendo felizes os sofridos sambas que jaziam nelas
Semeando, com nossas idas, a irreligiosa súplica
De mais uma vez ter aquele musical sorriso e sua lúdica
Talvez como Gil, esperando na reluzente janela

Sua voz agredia a imperceptível monotonia
E desconhecendo distâncias entre ouvido e coração
Conduzia-me de olhos fechados ao elevar do chão
Até a altura da desconhecida filosofia
Que, desistindo, dotava as emoções de tal autonomia
E me inebriava em ofegante suspiro e leve imersão
Onde confundia meu lar com seu colo ao violão
E minha noite permanecia noite, mas com ares de dia

Em seus pés dançavam os tempos
De outrora quando olhos não me eram suficientes
Para apreender seus movimentos, mesmo latentes
Que entornaram o então êxtase e agora lamento
Pela ingrata distância que me atravessa como vento
E me faz tentar cultivar, de longe, aquelas sementes

Em seus cabelos habitava o mar
E toda a desconhecida vida que nele há
Todo o azul emprestado do Céu
Refletido, em parte, na sombra do chapéu
Onde quase escondeu o harmonioso olhar
Que sem saber que em mim encontrara um lar
Devaneava em ondas, estrelas e nesse pretenso cordel
Que, falho de forma, mas de conteúdo fiel
Narra em exaustivo suas cores sem jamais lhe desbotar

Tago era poesia em detalhes
Como a melodia que nos despovoa
E volta em momento de sorriso à toa
Trazendo alegria em artesanal entalhe
Fazendo emergir do mais profundo vale
Aquilo que só com ela voa...


Figura: Drummer Girl, Miko Zen.
Fonte: http://mikoarts.com/art/paintings/30-drummer-girl

segunda-feira, 19 de maio de 2014

A importância da Cultura

(Welton Oda)





Imagino que você seja uma daquelas pessoas que acredita ser fundamental conhecer o presente a partir de um olhar sobre a história, conhecendo a origem e os processos que contribuíram para a construção da realidade tal como a conhecemos. Imagino que também deva compreender a importância de conhecer outras culturas, outras formas de pensar e agir, elementos fundamentais para que você possa dialogar, relacionar-se socialmente e evitar certos preconceitos, de natureza social, racial, étnica. Certo?
É bem provável que conheça, ou ao menos tenha ouvido falar em Abdias Nascimento, um dos mais importantes nomes do teatro brasileiro, personagem que foi também Senador da República e realizou ainda um sem número de outras coisas importantes. Também deve conhecer um dos mais importantes intelectuais contemporâneos que atuam no Brasil, o antropólogo Kabengele Munanga, professor titular da USP e especialista em antropologia das populações afro-brasileiras. Como pessoa culta não deve ignorar os nomes de Ruth de Souza, Eduardo Silva, Rita Ribeiro, Romeu Evaristo, Altay Veloso, Itamar Assunção, Nelson Sargento, Flávio Bauraqui e Léa Garcia, pessoas célebres por sua atuação no teatro, na TV e na música popular brasileira?
Se não conhece (afinal, isso não é tudo), sendo uma pessoa culta, deve também privilegiar o domínio de outras línguas, como o inglês, o francês e o espanhol, mas, sobretudo aquelas que contribuíram para a formação do modo de falar do povo brasileiro, como o iorubá, o guarani, o árabe, etc. E, claro, a Rainha Njinga está presente em sua cultura pessoal tanto quanto Alexandre, o Grande. Uma pessoa como você não teria dificuldade de responder sobre os procedimentos adotados no tratamento da malária entre os cuiva ou entre os tucano, além de se interessar por mitologia, sobretudo a grega antiga, a dos povos indígenas americanos e a dos bantos.
Que ótimo! Toda essa sua cultura, esses conhecimentos universais, foram adquiridos em sua escola e na vida familiar com seus parentes e amigos! É certo que sua escola nunca foi do tipo que privilegiou apenas a cultura de matriz europeia. Se conhecimentos dessa natureza fossem pedidos a seus filhos, no ENEM, eles tirariam de letra, não é mesmo?
Agora sim, eu entendo perfeitamente que você seja contra as cotas!

Figura: Pintura de Kariny Sanchez.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Lua, Luxúria e Lamúria

(André de Moraes)

















O parco abraço não lhe foi suficiente
Para o coração que, por si, apertava um pouco mais
Todavia a razão se afrouxando ao lembrar-se dos ais
Via mais uma fração de vida sucumbindo ao deleite
De corpos que, em vão, se tornavam enfeite
E aos poucos se distanciavam do seguro cais

O desejo alado espalhava um pouco de nós
E apenas da pequena janela entreaberta se via
O que da mais alta montanha nada seria
Se não fora amalgamado entre tu nascente e eu foz
Que em farta medida se expressaria em voz
E cujo encontro se anoitecia naquele infinito dia

Na casa dos amores se despedia e voltava
Ao berço da solidão que muito lhe acolheu
Quando voltava a ser como criança que ainda nada viveu
E, chorando, despia-se das pétalas e voava
Para onde não lhe seria negado o calor da lava
E não mais lhe diriam que não era seu
O espelho mil vezes refeito para encontrar seu Orfeu
E o desejo de lhe ser muito além de palavra...

Figura: Suffer Love, Tracey EMIN (2009).
FONTE:http://goo.gl/KzoSSM

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Sobras de Loa

(André de Moraes)




















Sobrara um fim
A revelia de tudo o que se era emoção
Mantendo-se a sós com escassa porção
E negando a ausência de flores no jardim
Que solitário fora trocado pelo botequim
Onde fazia das perdas samba-canção

Sobrara um sorriso
De todas as festas na qual fora flor
De todos os instintos que lhe fizeram ardor
E meias vontades que haviam se ido
Sem tornar breve o farto sentido
Embriagava minhas páginas com seu calor

Sobrara um pensamento
De todas as vencidas verdades
Umas descobertas no vento
Outras para além de nosso tempo
Mas todas vestidas de certa vontade
A conversar sobre o devir da próxima idade
Mais lento se traduzia em voz e sentimento

Sobrara um olhar
Que mostrava brumas de belas liberdades
Algumas ainda por existir
Outras já com mais idades
Mas todas anunciando um pretérito provir
Nas pupilas escondidas, mas que não podiam mentir
Sobre a leal condição de ainda ser mais que metade

Sobrara uma mulher
Que mesmo deitada se sentia em pé
E no auge da sua fraqueza deixava vivo o cabaré
E desdenhava daquele qualquer
Que vendo a vida lhe faltava fé
Desejando a morte lhe sobrava ré
E que para ela, no fim, era apenas um mal-me-quer...

Figura: Banksy.

sexta-feira, 25 de abril de 2014



Semente Vitral
Por fim, semeou vitrais com aquelas parcas luzes
Mesmo sem saber quanto ainda lhe restava de dia
Mas tocada pela força daquele que em breve se ia
Não deixaria ruir o lastro outrora escondido nas nuvens
Que garantia um sorriso desenhado à reveia dos capuzes
E germinava a palavra que em vivas cores se tornaria...
 
(André de Moraes)

Fonte da figura: http://goo.gl/DcuZTG

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Comendo o Pirão Pelas “Beiradas”: engrossando o caldo onde ele é mais ralo


André de Moraes

Ontem, em uma conversa de porta de casa com meu amigo-vizinho, eu criticava a total e proposital indisposição da Secretaria de Estado da Cultura do Estado do Amazonas (SEC/AM) em estender as políticas culturais para a periferia da cidade de Manaus. Hoje, tive a satisfação de ver o cartaz do III Festival Cultura do Pirão AM e constatar que este vai acontecer no Jorge Teixeira, bairro muito distante tanto do centro da cidade quanto das políticas públicas. Sorri e respirei.

Sou um crítico da diretriz da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas em gastar rios de dinheiro com festivais de mínima aderência a realidade local. A ideia é inserir Manaus no circuito de grandes festivais de forma a atrair/consolidar um turismo de alto padrão. Para quem me conhece, sabe que tenho maior inclinação às iniciativas populares locais, todavia não sou contra haver festivais de ópera, jazz, cinema, dança, teatro, etc. com a presença de grandes figuras nacionais e mesmo internacionais desses segmentos. O que me incomoda profundamente é que estes levem a maioria esmagadora dos recursos em detrimento quase total dos grupos locais e da periferia da cidade. Constrói-se, assim uma segregação social no acesso às políticas públicas culturais que em nada aproveitou o interessante momento da gestão Gil-Juca no âmbito nacional para o fomento à cultura popular.

Nesse contexto, era uma questão de tempo surgir uma movimentação que fizesse frente à essa condição e pudesse expor um pouco a situação de forma provocativa, espontânea e divertida, por que não. Daí o movimento Pirão AM, propositor de uma “arte que combate a estagnação e se expressa para transformar a realidade, quebrar os estereótipos e romper as barreiras do silêncio.”*, surge como alternativa para catalisar a rica e eclética essência das propostas artísticas regionais/locais. Não à toa, convergiram músicos, artistas em geral, promotores/agitadores culturais e apoiadores (como eu). A aproximação da periferia no sentido de incluí-la num agenda cultural positiva é um bom primeiro passo. Posteriormente, reconhecer talentos e assim iniciar um diálogo que redunde num processo autonomia cultural para transformação da realidade social, torna-se algo mais próximo. Não tenhamos medo de sonhar...

Descentralizar é preciso. Logo, para além da denúncia à exclusão sociocultural da periferia, também existe a dimensão provocativa com a inclusão daquela área num circuito cultural da cidade que não costuma ser visitada senão pelos seus próprios moradores. Certamente haverá quem se pergunte por que fazer o festival tão longe, não se dando conta de que o motivo é exatamente o fato de ainda haver essa pergunta. A cidade é produto das relações de disputa entre aqueles que a produzem e a reproduzem. Nessa correlação de forças, quase sempre vencem os detentores de poder político e/ou econômico restando aos pobres algumas migalhas de cidade traduzida, principalmente, numa infraestrutura urbana precária, mas também na ausência de serviços públicos minimamente adequados, incluindo políticas públicas culturais. Com isso não estou dizendo que o festival tem a pretensão de reverter esse cenário com uma ou mais edições, mas sim que esta pode ser uma oportunidade de problematizar esse aspecto e promover uma discussão ampla sobre a cidade, exclusão socioespacial e o acesso à cultura.

Não tenho a menor expectativa de que a diretriz cultural da SEC/AM mude. Mesmo mudando a gestão, a política amazonense ainda resguarda uma estrutura conservadora/elitista/coronelista/populista que não busca/permite uma inclusão social de fato. Isso evidencia a necessidade de paralelismos, como o Movimento Pirão AM, que são muito bem vindos como antítese ao status quo da política, nesse caso, cultural. Daí torço para que o movimento prossiga esquentando e que a gente continue comendo pelas “beiradas” por ser justamente a parte mais rala do caldo, no tocante àquilo que deveria ser fomentado pelo Estado.




*trecho do Manifesto Pirão AM, disponível em: http://goo.gl/cCcVXH
Fonte da Figura: http://goo.gl/B44Sgs

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Andarilho



Andarilho
(Juliana A. Alves)

Na cabeça uma cartola
meias verdades
Nos braços a viola, 
inteiras mentiras
No coração uma pedra fria,
falsos amores
No trilho continua o andarilho
curando com o fumo, a bebida e a boemia...
o seu vazio.

Fonte: http://www.casadopoetapg.com.br/profiles/blogs/bo-mio

Alfabetização Libertária





Alfabetização Libertária

Uma mão LAva a outra
Uma mão LEva a outra
Uma mão LIvra a outra
Uma mão LOuva a outra
Uma mão LUta com a outra

(André de Moraes)





Fonte da Figura: http://administracao062010.blogspot.com.br/2010/03/memorial-da-america-latina-barra-funda.html