sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Claves de Sol(lidão)

André de Moraes

Resolvi ouvir, atento, aqueles discos
Companheiros do gesto vazio e mudo
Que da face triste exaltavam tudo
E da alegria expunha somente riscos
Reduzindo grandes amores à mitos
Num tom de beleza derivado da tristeza e do luto

Ouvi atento Cartola cantar
Os muitos choros no violão
Que nada diziam em vão
E nos refaziam em breve soluçar
Pelas memórias outras que insistíamos em visitar
Mesmo quando esquecer estava à mão

Ouvi atento Vinícius de Moraes cantar
E certo que havia descoberto a regra quatro
Escondido na paixão tátil daquele abraço
Mas que ao fim do lado b me faria voltar
À saudade de um samba a trastejar
No violão cujas cordas se fizeram laço
Como pintor que nos transforma em traço
E, por breve momento, inibe o tempo que não ousa passar

Ouvi atento Paulinho da Viola cantar
Descobrindo que não apenas o mar quem me navegava
Mas me (s)urgia nova ilusão daqueles olhos que a tudo iluminava
E, no recôndito das minhas vontades, estava a desabrochar
Um samba sobre a finita razão pelo qual deveria tudo parar
Devido ao meu leviano coração que não me deixa negar
Os naufrágios dos portos nos quais atracava

Ouvi atento Adriana Calcanhotto cantar
E visitava a triste oficina de xícaras e corações
Onde milhares de cacos eram transformados em porções
Algumas de amor
Outras para mais dor
Mas boa parte delas para a arte de voar
Na ilusão de um amor em cada porto deixar
Partiam sumindo nas nuvens dos chuvosos verões

Ouvi atento Chico Buarque cantar
Oscilante entre a gota d’água e a ofegante epidemia
Desesperado ia ao chão onde fora entornada a poesia
Sem, todavia, o disco do Pixinguinha recuperar
E de todas as lamúrias que se poderia chegar
A certeza de que estavas além das outras três descia
Naquele vácuo onde até mesmo a Geni descansaria
Como no vão da noite com profetas embriagados a jurar

Ouvi atento a Velha Guarda da Portela cantar
Com os olhos rasos d’água e lembrava da partida
De quem a proximidade me era alegria felicida
E com olhares, poemas e beijos me fazia sonhar
Mas depois do renovar do dia haveria de restar
Somente as muitas identidades que a dediquei na lida
Que agora eram acordes e goles para curarem a ferida
Até aquela velha alegria de tempos atrás voltar

Ao final ouvi atento meu violão
Que nada me dava senão todas as lágrimas
Artesanais em forma, mas massivas como em fábrica
Aflorando o desejo impossível do meu coração
Fazendo-me voltar à solitária condição
De teorizar a saudade para que ela deixasse de ser prática
E, assim, vestir os olhos da minha realidade nada plástica
Cantando o sonoro, velho e triste refrão...

Minha, quem disse que ela foi minha...


Foto: Vão-se o sol, o barco e o amor... Pôr-do-sol em Tapauá, Amazonas, Brasil (André de Moraes, 2014).

Um comentário:

  1. Lembranças do Sol
    (André de Moraes)
    De quando aquele amor fora fogo
    Em delírios nada comedidos ao secreto
    De repente em sombra e demasiado discreto
    Tornava-se como um domesticado lobo
    Não mais correndo e com deficitário dolo
    Deixava o sol, outrora exposto, agora encoberto...
    Valeu Diana! =]

    ResponderExcluir