segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Na Solidão do Espinho*

André de Moraes


Recusara-se a despedir-se do momento
Onde todas as suas vidas se viram num abraço
E muito além do movimento que rompia o laço
Esquecia as razões e buscava costurar o tempo
Como quem canta para reverter um lamento
E as ruas percorre como se fossem seu o traço

Recusara-se a aceitar aquela vida
Como quem se atira ao desafio de ser mais
Do rio cada vez mais perto dos longos varais
Onde secariam lágrimas tornado-as jazidas
Contidas nos versos infinitos daquela partida
Cujo desmontar aliviariam a já aberta ferida
E, em cada passo, uma porta deixada para atrás

Recusara-se a compactuar com a ida
E lhe restara apenas o lindo e triste mosaico
Que transgride todas as leis do coração laico
Ao suplicar em oração pela noturna visita
Restando-lhe ornar-se para a próxima saída
E voltar com metade de si sem a outra ao seu lado


Recusara-se a aceitar as paredes
E liberdade era o desejo do seu olhar
Como descobrir nas músicas que escutamos sem atentar
À sua oculta água que saciaria as muitas sedes
Como a de ter o calor daquelas cúmplices redes
E o espaço que quisesse para amar

Recusara-se a aceitar a questão
E xingava as respostas que nas mãos tinha
Abrindo o espaço para o que ainda mantinha
Daquele abraço quase perdido na sua emoção
E desesperada por mais doses daquela porção
Ao recordar do paladar que a levava até a vinha

Recusara-se a descer daquela viagem
Enforcando o tempo para que morresse aquele momento
E vendendo seu futuro por um pouco mais de chão
Libertando as feras como tentativa em vão
De novamente amanhecer sem esse vil incenso
Exalado na pequena distração do pensamento
Que a deixou sóbria durante seu melhor verão
Mas ignorando esse destino que lhe era solidão
Ascendia à música, ao meu ouvido e ao firmamento


Recusara-se a deixar a hora passar
No receio de uma proximidade maior da distância
Cercava de vivas lágrimas a tropical lembrança
Invocada dos lugares onde haveria de colecionar
Tudo de si que seria convertido na esperança
Que suspira, a cada amanhecer, uma nova dança 
E mais histórias que a permitam navegar

Recusara-se a recolher-se em contentamento
Vestindo-se de muitas flores, perfume e cores
Tinha sol em todas as ruas de seu pensamento
Vagueando nos vestígios dos desejos sedentos
Da presença que dava sentido aos sóis-em-pôres
Em cuja luz dissolvia o real sentido das dores
E sentenciava ao secreto os seus tormentos

Recusara-se em continuar a chorar
E enxugando o mesmo rosto do beijo ardil
Levantou-se, ainda caída, e pôs-se a nadar
Para o único lugar onde o poderia encontrar
Indo mais fundo naquele já conhecido rio
Almejando viver mais para ceder àquele cio
E nunca, nunca mais deixar-se naufragar
A não ser para afogar seu medo de amar
E imergir em seu coração aquele velho navio...





*O título é um trecho da música “Faltando um Pedaço” de Djavan que fez parte do momento que propiciou a composição da poesia e foi essencial para tal.
Imagens:
(1) "Refuse", by Fae.
(2) "My Eyes Refuse to Accept Passive Tears" by Agnes Cecile;
(3) "Refuse" by Elisa Camahort.

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