quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Pesquisa do CEST revela que diversidade cultural marca a história recente de Tefé, Amazonas

Guilherme Figueiredo
Antropólogo, Professor do Centro de Estudos Superiores de Tefé (CEST) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA)



Entre 2006 e 2009, e depois em 2012, 17 turmas de normal superior, pedagogia, geografia e história do CEST/UEA participaram do projeto Olhares de Tefé, que tem como objetivo conhecer a história do município a partir do levantamento das histórias de vida dos seus moradores. Uma explicação mais detalhada do objetivo pode ser encontrada no novo livro do CEST "Múltiplos Olhares em Educação", que será lançado nos próximos dias. Em grupos de 1 a 4 estudantes (647 no total), que tinham liberdade para escolher os seus entrevistados, foram feitas 253 entrevistas com homens e mulheres de quase todas as profissões e idades. Apenas as crianças ficaram de fora.

Os estudantes deixaram registros sobre os critérios que utilizaram para escolher os seus entrevistados, e surgiu um traço marcante: a busca de pessoas que consideravam exemplares por sua vida pessoal, familiar ou graças às suas contribuições para a cidade. Foi possível, assim, aparecer a tradição de se tecer a história como a narração de feitos e personagens exemplares, que foi reconstruída na pesquisa. A tecedura de narrativas, para além de uma busca meramente objetiva de dados, vem sendo uma reflexão e produção coletiva de memória regional, renovando criativamente e fortalecendo os valores e as identidades tefeenses. Um ponto a se destacar é que se até poucos anos atrás se podia contar nos dedos os redatores na história escrita regional, agora já podemos falar de centenas de escritores.

Recentemente foi feita a contagem de parte dos dados sócio-econômicos registrados nos relatórios, e um dos resultados mais surpreendentes foi descobrir que a grande maioria dos tefeenses não nasceu em Tefé. Dos 253 entrevistados, 173 declararam o município de nascimento. Destes apenas 50, ou seja, 28% nasceu no município de Tefé, sendo que grande parte nasceu nas comunidades. Em segundo lugar vem Fonte Boa, com 15 pessoas equivalentes a 8,6% dos declarantes (muitos também oriundos da zona rural). No total, foram declaradas 42 cidades, 9 estados e 5 países de origem, em uma amostra de apenas 173 declarantes!

Esses números revelam que Tefé não é provinciana, isolada e simples. É uma cidade cosmopolita e possui a complexidade cultural e social de uma metrópole, com muitos dos seus aspectos positivos e negativos. É provável que o auge da migração para Tefé tenha ocorrido nos anos 80 e 90, a partir da chegada da Petrobrás e de inúmeras outras empresas e instituições, mas muitos dos entrevistados estão aqui há mais de 40 ou 50 anos. Por outro lado, é possível que uma amostra de crianças e jovens revele proporções bem maiores de pessoas nascidas na cidade. São tefeenses de uma geração cuja marca maior é ser composta de filhos da mestiçagem histórica e cultural proporcionada pelas migrações. Mas isso não quer dizer que a migração de crianças e jovens seja pequena. Uma pesquisa recente do Instituto Mamirauá e divulgada no jornal A Crítica de 2/9/2013 revelou que 76% dos jovens da Reserva Mamirauá migraram de suas comunidades nos últimos anos, sendo que 77% deles estão indo para áreas urbanas.

Dessas descobertas podemos concluir que a xenofobia, que parece ter aumentado nos últimos anos, não tem base na história e na composição social da cidade. Portanto, não é eficaz como estratégia política. Algumas pessoas aderem à xenofobia com a intuição equivocada de que ela pode levar à melhoria da autoestima individual ou da população. Isto é um erro muito grave. Um exemplo bastante conhecido é o do povo Alemão que, ao se valer da xenofobia para elevar a sua moral levou a Europa ao Holocausto, massacrando 6 milhões de judeus e depois sendo novamente massacrado e humilhado na II Guerra Mundial. A xenofobia vem sendo fonte de legitimação dos massacres e da exploração de povos indígenas, negros, árabes e outros em todo o mundo. Favorece grupos que querem concentrar privilégios e impor os seus interesses por métodos autoritários.

Embora atinja pessoas de todas as classes sociais, as principais vítima da xenofobia são os filhos e filhas das populações ribeirinhas que formam os bairros de periferia e são estigmatizados como "galerosos" e "prostitutas", o que legitima toda sorte de exploração e opressão. O preconceito faz com que sejam discriminados nas escolas, empregos, no atendimento à saúde, segurança, e ainda nas ruas, praças, festas, etc, numa humilhação permanente que os educa a serem "peões" excluídos de todos os direitos humanos e constitucionais, e a se conformar com as formas mais extremas de exploração do trabalho braçal e sexual.

A composição histórica e social de Tefé, no entanto, aponta para a possibilidade de se caminhar na direção oposta: o cosmopolitismo e a valorização da diversidade cultural. É verdade que há inúmeras maneiras de se manipular essa diversidade para reforçar a dominação e a exploração, como vimos acima, mas ao mesmo tempo a sua valorização pode servir para legitimar e fortalecer a luta pela democratização econômica, cultural e política.

Grandes pensadores da antropologia nos levam à compreensão de que o diálogo intercultural é a principal condição para a invenção de novos saberes, arte e tecnologia. Eles já demonstraram que todas as conquistas apresentadas pela civilização ocidental como símbolos de sua superioridade jamais foram criações originais, e sim o fruto do contato dos povos da Europa com os demais povos do mundo. A análise histórica mostra que, uma vez colocado um desafio que exige conhecimento, arte, tecnologia e novas instituições, a maior diversidade de culturas em contato aumenta a probabilidade de se encontrar respostas e soluções.

Seguem abaixo os dados completos das declarações de município de nascimento dos entrevistados do projeto Olhares de Tefé:

Tefé - 50 - 28%
Fonte Boa - 15 - 8,6%
Uarini - 13 - 7,5%
Maraã - 13 - 7,5%
Alvarães - 12 - 6,9%
Manaus - 9 - 5,2%
Juruá - 8 - 4,6%
Carauarí - 6 - 3,4%
Benjamin Constant - 4
Coarí - 3
Jutaí - 3
Ceará - 2 (contando com os nascidos no Ceará que declararam a cidade o número chega a 6 - 3,4%)
Eirunepé - 2
São Gabriel da Cachoeira - 2
Atalaia do Norte - 2
Envira - 2
São Paulo de Olivença - 2
Jaguaribe (CE) - 1
Araraquara (SP) - 1
Codajás - 1
Icoaraci (PA) - 1
Gilze (Holanda) - 1
Carapanatuba (MA) - 1
Oberhausen (Alemanha) - 1
Amaturá - 1
Altos da Viúva (CE) - 1
Crato (CE) - 1
Fortaleza (CE) - 1
Itamarati - 1
Regente Feijó (SP) - 1
Foz do Iguaçu (PR) - 1
Espanha - 1
Peru - 1
Terra Santa (PA) - 1
Japurá - 1
Borba (AM) - 1
São Gotardo (MG) - 1
Parintins - 1
Óbidus (PA) - 1
Cruzeiro do Sul (RS) - 1
Tacima (PB) - 1
Cruz Alta (RS) - 1

Total - 173 de 253 entrevistados declararam o município de nascimento
42 cidades
9 estados
5 países

Livros e textos utilizados nesta reflexão:

FIGUEIREDO, Guilherme Gitahy de. Olhares de Tefé: uma proposta metodológica. In: COELHO, Leni; PONTES, Cilene; BEZERRA, Rita. Múltiplos Olhares em Educação. Curitiba: CRV, 2013.

GOODY, Jack. O roubo da história: como os europeus se apropriaram das ideias e invenções do Oriente. São Paulo: Contexto, 2008.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e História. 5ª ed. Lisboa: Presença, 1973.

MIGRAÇÃO de jovens na Reserva Mamirauá é de 76%. Jornal A Crítica, 02/09/2013. Disponível em: <http://www.mamiraua.org.br/pt-br/comunicacao/noticias/2013/9/2/migracao-de-jovens-na-reserva-mamiraua-e-de-76/> Acesso em 13/09/2013.

PRATT, Mary. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. Bauru: EDUSC, 1999.

WOLF, Eric. A Europa e os povos sem história. São Paulo: EDUSP, 2005.


Obs.: A ideia de pesquisa com grandes grupos tem créditos do Professor José Siqueira Benites, também pertencente aos quadros do CEST/UEA.


Fonte da Figura:  https://www.facebook.com/groups/140209889459276/