sábado, 15 de outubro de 2011

No final, o melhor é chamá-lo de o bairro da "Liberdade"

Um bairro que guarda as marcas de uma patologia é, sem dúvida, um espaço que ainda guarda estigmas, que carece de certos equipamentos por causa da precipitação e do descaso dos órgãos administrativos. Por outro lado, é um espaço de reprodução da vida onde desabrocha os laços de solidariedade entre os moradores, onde ainda existem as rodinhas e aquele “clima” de que todos se conhecem, principalmente, por aqueles que são moradores desde a época do Hospital-Colônia. É um bairro de misturas. Que se encontram e não se aproximam, que se distanciam mas, não se desencontram. É um hibrido de tudo o que há e não há nos outros bairros da cidade de Manaus. Ele tem suas particularidades, mas também, tem suas singularidades com os demais bairros, seja na violência urbana, na ausência de segurança pública, na precariedade na prestação dos serviços públicos etc.

O único fator desfavorável é a distância geográfica do bairro para o Centro da cidade e a precariedade do sistema de transporte público que dificulta a acessibilidade e a ligação entre os bairros. Entretanto, este problema não é exclusivo do bairro Colônia Antônio Aleixo. Por outro lado a economia e o desenvolvimento do bairro independem da cidade de Manaus. Este cenário corroborou para que as lideranças locais e moradores do bairro estivessem presentes durante a votação do Projeto de Lei n° 136/2010 de autoria do ex-deputado e atual Secretario de Produção Rural do Amazonas (Sepror) que previa a criação de 28 novos municípios no Estado do Amazonas, durante a votação na Assembleia Legislativa do Estado (ALE), que ocorreu em novembro de 2010, lideranças do bairro Colônia Antônio Aleixo solicitaram a inclusão do bairro na lista dos novos municípios. Na época o então deputado sustentou que o referido pedido não se adequava a proposta do projeto. Recentemente, a temática volta a ganhar força e ser pauta de discussão política. A Comissão de Assuntos Municipais (Comam), da Assembléia Legislativa do Estado, se reuniu no dia 14 de setembro de 2011, que recebeu visitas dos representantes da comissão pró-emancipação da Comunidade de Bom Jesus, do município de Autazes e do bairro Colônia Antônio Aleixo de Manaus. Dentre as argumentações das lideranças do bairro para a sua emancipação está a de que o bairro já possui estrutura de município e com toda a infraestrutura necessária para funcionar em termos administrativos. As lideranças argumentam o imperativo da emancipação do bairro devido ao intenso processo de urbanização pela qual vem passando a cidade de Manaus. A argumentação é de que este crescimento tem relegado a Colônia e os bairros adjacentes ao esquecimento. A idéia é que a Colônia se transforme em município da Região Metropolitana de Manaus (RMM). Este quadro descaracteriza o espaço de terminologias como bairro dos esquecidos, espaço (des)integrado etc. Talvez, seja o bairro dos que não querem ser esquecidos. Mas, no final o melhor é chamá-lo de o Bairro da Liberdade.

O bairro possui pleno desenvolvimento, porém este não condiz e não está articulado a sua estrutura maior a cidade de Manaus. O carro-chefe desse argumento se efetivou recentemente quando se baseando de princípios da economia solidária a Associação de Moradores do bairro criou uma nova moeda. A proposta foi implantada no dia 01 de outubro de 2011 a moeda social denominada “Liberdade” foi cunhada pela instituição social Banco Comunitário Conquista. A criação da moeda tem por meta corroborar com o desenvolvimento socioeconômico do bairro e fomentar o comércio local, que se apresenta prejudicado pela distância geográfica do Centro de Manaus[1].


Juliana A. Alves.


[1] Cinthia Guimarães. “Nova moeda” vai circular na zona Leste de Manaus. Jornal A crítica.

Foto: Barco Adolph Lutz caçava os doentes pelos rios, furos e paranás do Estado do Amazonas entre 1940-1978. Fonte: Acervo Emília Pereira, Coordenadora do Programa de Hanseníase da FUAM.


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

"Pensão Lula" para os Portadores de Hanseníase


É partindo do que artesanalmente construímos como a Geografia dos sentimentos, que trata do sentir. Sentir do pesquisador, das pessoas e, principalmente, dos doentes que iniciamos essas linhas...

Essa era a vida da gente. A gente tinha os filhos da gente [...] e a gente nem podia triscar. E eu aqui com a minha mulher tivemos 2 filhos saía da maternidade na mão do médico, passava assim num carrinho. - Tá aqui seu filho – e só podia olhar assim. E daqui pro Educandário […] Meus filhos foram pro Gustavo Capanema […] (R.T.C., 67 anos, morador da Colônia Antônio Aleixo, Manaus).


Das páginas do Dossiê – A história dos filhos órfãos de pais vivos no Brasil, realizado pelo Morhan, a fotografia acima apresenta cinco cestos com filhos de portadores de hanseníase, na década de 1940, que foram separados dos pais e encaminhados a creches e preventórios. Tal forma cruel de separação dos filhos de seus pais não aconteceu somente no Amazonas, mas em todo o país. Foi instituída em 13 de janeiro de 1949, Lei nº 610 – todos os portadores de hanseníase devem ser separados do convívio dos familiares e seus filhos devem ser levados para Preventórios/Educandários. Em 15 de outubro de 1968, esta lei foi revogada pela Lei nº 5.511.

Durante as décadas de 1930 e 1970 vários portadores de hanseníase foram isolados em leprosários e separados do convívio familiar. A partir da década de 1950 os filhos de portadores da doença deveriam ser separados dos seus pais e enviados a educandários e creches destinadas aos cuidados destes. Recentemente, o Brasil passa a ser o segundo país, o primeiro foi o Japão, a tomar medidas a adotar a indenização aos portadores de hanseníase. No caso do Brasil o processo foi conquistado a partir de ações entre os poderes Legislativo e Executivo. No Japão, as indenizações foram resultado de uma ação judicial. A pensão especial têm direito todas as pessoas que tiveram hanseníase e foram submetidas ao isolamento e internação compulsórios até 1986.

Se a indenização para os filhos separados de pais portadores de hanseníase for concedida, o país passa a ser o primeiro a adotar essa postura. De acordo com Rogério Sottili, ex-secretário-executivo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a instituição da pensão é mais do que uma compensação econômica, é uma forma de “desculpas públicas”.

Foi por meio da Recomendação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 8, de 08 de julho de 2010 e considerando que a Comissão de Direitos Humanos da ONU passou a reconhecer os abusos que foram cometidos, em âmbito de Direitos Humanos, com os portadores de hanseníase e com seus familiares, que propõe aos países membros, que se faça jus a políticas afirmativas em razão dessas vulnerabilidades; considerando ao Governo e da Sociedade, o erro da extensão da política segregacionista, por meio da Lei nº 11.520, ponderando que essa política realizou a separação dos filhos. Pois, mesmo após a abolição da política segregacionista nenhuma medida foi tomada e executada para a reintegração dessas pessoas. Diante deste quadro o CNS recomenda ao Governo Federal a indenização e reparação aos danos cometidos aos filhos separados dos pais na época da segregação.

Em Manaus, a instituição responsável pela orientação e encaminhamento da documentação comprobatória é o Centro de Referência em Dermatologia e Doenças Venéreas Fundação Alfredo da Matta. A instituição também é responsável pelo recolhimento dos documentos para a pensão especial (ou pensão Lula, por ter sido instaurada nesse governo) sob a Lei 11.520 de 18 de setembro de 2007. O processo se inicia com os documentos enviados pelo requerente. O retorno é realizado por carta enviada de Brasília solicitando a documentação. Posteriormente, se inicia o processo minucioso de coletas de provas de que o requerente esteve internado compulsoriamente em Hospital-Colônia: consulta a base de dados antiga da Fundação Alfredo da Matta, Consulta ao SINANW[1], Verificação da existência de prontuário na FUAM ou no Hospital Geral Dr. Geraldo da Rocha, Verificação de prontuário microfilmado, Consulta de informações ao comitê formado por ex-moradores da Colônia (distintas épocas) e técnicos da FUAM. Na ausência dessas informações a equipe do Programa de Hanseníase da Fundação Alfredo da Matta recorre a outras fontes: registro fotográfico, oitivas etc.

O Projeto de Lei que prevê a pensão mensal vitalícia aos portadores de hanseníase que foram submetidos ao isolamento compulsório foi elaborado, pelo então senador à época do Acre, Tião Viana (PT/AC). No artigo 1º do Projeto de Lei nº 206, de 2006 assim dispõe: “É assegurado, às pessoas atingidas pela hanseníase e que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios, em hospitais-colônia, pensão mensal vitalícia correspondente a setecentos reais, conforme disposto em regulamento.

A Hanseníase é contemplada pela Previdência Social na concessão ao auxílio-doença, assim como outras 15 patologias (Conforme Art. 1º da Portaria Interministerial MPAS/MS nº 2.998, de 23 de agosto de 2001), com a condição que o portador possua a qualidade de assegurado (vínculo empregatício comprovado com carteira profissional ou comprovante de recolhimento – carnês, Guia da Previdência Social – GPS e por meio de inscrição no Ministério do Trabalho). Porém, alguns desses portadores foram acometidos pela doença muito cedo com marcas severas que nem chegaram a trabalhar. Esses portadores de hanseníase que não possuem a qualidade de assegurado podem recorrer ao benefício Amparo Assistencial ao Idoso e ao Deficiente (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS – nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993.

Em Manaus, a manifestação acerca da indenização aos filhos separados de pais portadores de hanseníase teve início com as discussões realizadas no dia 26 de Abril de 2011 na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AM) durante o Projeto Filhos Separados promovido pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) que tem ocorrido em todos os estados do país[2].

O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) em parceria com o Instituto Nacional de Genética Médica Populacional (Inagemp) lançam programa para que exame genético comprove os laços de parentesco entre os filhos separados de pais portadores de hanseníase. O exame genético será realizado por meio da coleta de amostras de saliva (preservadas em recipiente refrigerado e enviadas para o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde serão analisadas). “Os resultados servirão de base para o pedido de indenização daqueles que não possuem nenhum documento que comprove que são filhos de ex-pacientes e foram separados dos pais”[3]. Isto, porque em alguns lugares os registros históricos, as listas com os nomes dos pacientes e listas com o nome dos filhos encaminhados à educandários, preventórios etc., foram queimados ou perdidos o que dificulta, recentemente, a comprovação para alguns filhos separados de pais portadores de hanseníase. Cada resultado da amostra de saliva demora cerca de 15 dias para revelar o laço de parentesco. O patrimônio genético é exclusivo para cada indivíduo e pode ser extraído de pequenas amostras biológicas: saliva, unhas, dentes, ossos, sêmen, cabelo, fluídos biológicos e manchas de sangue.


Juliana A. Alves


[1] Tabulação de Dados SINAN Windows – recurso específico destinado aos gestores municipais e estaduais de vigilância epidemiológica.

[2]Cinzas soltas no vento: Isabel foi levada para o hospital aos 6 anos de idade, conta que “[...] corria para abraçar minha mãe e ela se afastava dizendo que não podia, eu chorava pedindo pra que ela me levasse [...]”. Reportagem Hansenianos separados de seus filhos podem ser indenizados por Lívia Anselmo no Portal do Jornal Diário do Amazonas de 23/04/2011.

[3]Genética vai ajudar órfãos da hanseníase. Jornal da Tarde.