terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Luz

(André de Moraes)



Deu à Luz
O tempo que nunca imaginou ser escasso
Agora, apertado como o bom abraço
Urdia severo como madeira em cruz
Mas dizia ao coração que a tudo conduz
Que não mais desataria aquele laço



Deu à Luz
O coração que pensava não ter
E todas as saudosas lágrimas a escorrer
Da face invertida dos tabus
Enquanto chovia mesmo nos mais abertos céus azuis
E na terra que sempre cultivou, não mais havia o que colher



Deu à Luz
Ali, na casa de sua vida
Onde o presente não hesitou em trocar
Suas lembranças pelo que havia de chegar
Restando o suspiro de quem cuida a ferida
Com a mesma razão extravagante e contida
Aprendia com o tempo como havia de jogar



Deu à Luz
Sem tempo de ir à escola
Ao seu lado apenas seu livro
Cujo final no mar se quebrava como frágil vidro
E suas figuras passavam a enfeitar a gaiola
Tramas de um sonho veio, brincou e foi embora
E agora não mais cabia no seu abrigo



Deu à Luz
Os caminhos outrora incertos
Fez da estrada uma garagem
Domesticou o que era selvagem
Mas também trouxe vida pra perto
Sem medir, ao certo, o tamanho do buraco aberto
Deixou-se diluir em prantos e se refazer em coragem



Deu à Luz
Mas passou a perceber também que recebeu
O amor que jamais pensou lhe habitar
A entrega nunca vista antes como doce lar
E que do âmago do seu ser acendeu
E com aquele suspiro de quem outra adormeceu
Via milhares de estrelas voltando a brilhar
Semeando um sonho que jamais haveria de cessar
Naquele mundo que não era mais só seu...



Fotos: Ensaio do Projeto "Mãe Natureza" de Rodrigo Tomzhinsky.