quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Soa em Rascunho

André de Moraes


















Tudo o que a amizade escondia
Um dia se pôde fazer concreto
Tão intenso quanto encoberto
O firme e delicado desejo pelo dia
Quando o teu corpo, enfim, me encontraria
E o curvilíneo caminho se tornaria reto

Das frágeis testemunhas ocultava
O breve e latente juntar de olhos
Que desejavam além dos colos
E da cumplicidade que badalava
Em anunciação à torrente de lava
A jorrar dos nossos férteis solos

O passado não nos era mero vestígio
Peças despidas de leve sentido vago
Como tímida foz para um imenso lago
Haveria de ser pequeno e intenso alívio
Como festil infértil ao gerar um filho
E o doce sofrimento de ouvir um fado

O redor, não tão acolhedor, machucava
E juntos decidimos a tônica do porvir
Rascunhando o imediato e deixando fluir
A distância de quem outrora próximo estava
Absorvendo o silêncio de uma fria sala
Percebia, com o tempo, a contradição vir
Com desconfortável novidade ao sentir
Que mesmo quando o presente se trava
E o almejado futuro nos torna draga
Nosso passado ainda é capaz de mentir

Dias e noites felizes nos eram imersão
Naquele universo distinto do linear tempo
Cujo voltar sempre derramava ares de lamento
E demorávamos a reconhecer o chão
Deixando vida como o germinar de um grão
Em cada segundo que nos tornávamos vento
Em cada lugar onde preenchíamos o vão

O mundo um dia fora o nosso limites
Das viagens perfeitas e dos lares outros
Quando a ida aliviava o local sufoco
E descontinuavam as esperas e convites
Outrora perdidos nos sempre presente deslizes
Do cotidiano laboral, sentimental e mútuo
Onde a vida seria fracionada para tornar pouco
Aquilo que poderia tornar tudo mais triste

Tal qual a primeira caverna tardia
Foi-me o sentido daquela partida
Embora havendo quem me ornasse em acolhida
O coração suspirava e no peito se comprimia
Buscando espaço para o eu sentia
Via-se nos olhos desafiados pela despedida
Predizendo a tristeza não comedida
E a felicidade que, embora bem vinda, se ia

Assim, fragmentos de vida se construíam
Fazendo-nos sentir o acúmulo de todas as vésperas
Dando sentido àquilo que um dia foram apenas etc’s
E agora de reticências não passariam
Jogando ao mar as lembranças que doíam
E guardando as boas para valsas céticas...




















Fotos:
1) Outono em Portugal, André de Moraes (Guimarães, Portugal; dezembro de 2013);
2) "Unlocked Love Bridge", André de Moraes (Rio Sena, Paris, França; janeiro de 2014); 

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Para que Serve um Debate Televisivo Entre Presidenciáveis?

André de Moraes













Ontem, dia 26 de agosto de 2014, ocorreu o primeiro debate entre os presidenciáveis na TV Bandeirantes. Então resolvi escrever esse texto que não busca analisar os desempenhos ali encenados, mas o debate (o programa televisivo) em sim enquanto “continente” uma vez que, para o “conteúdo”, não faltarão analistas. Por um motivo não aleatório, esse é um programa que chama atenção generalizada. Afinal ali estão aqueles que podem definir os rumos do país não destituídos de todas as suas articulações e da conjuntura em geral, óbvio. Mas, numa inquietação particular e compartilhável, problematizei a função de um debate televisível de presidenciáveis como veículo de “consensual” importância eleitoral e cheguei a algumas questões.

O debate como insumo para o marketing político

O debate ocorre na televisão onde tudo que se passa é composto de aparência e tem potencialidades publicitárias em essência. Por que seria diferente com o debate? Imagino os comitês de campanha virando a noite de ontem para hoje para editar as falas com recuperação de imagens e vídeos antigos para comparações e veiculação no horário eleitoral de hoje. Mas também buscando elaborar memes para tentar “viralizá-los” nas chamadas “redes sociais”, entre outras iniciativas. Ou seja, por um lado as emissoras buscam audiência com o debate por trás de um discurso de responsabilidade social e utilidade pública, por outro geram insumos publicitários aos comitês que, com alguma sorte/azar (dependendo do referencial), podem conseguir um impacto eleitoral considerável. Didaticamente, a discussão deixa de ser política e passa a ser meramente eleitoral e mais, deixa de ser eleitoral e passa a ser publicitária.

O debate e sua essência superficial

Alguém tem dúvida de que aqueles discursos são milimetricamente construídos pelas assessorias estratégicas de marketing político, etc.? No fim, o debate soa como uma grande distração que não chega à faculdade da coisa. O que mais importa parece ser a disputa por um desempenho retórico de quem mais se aproxima de um dado perfil de presidente, sobremaneira difícil de explicar. Como inserir num debate televisivo todas as tramas sociopolíticas e seu conteúdo ideológico que, no fim, é o que norteará um governo? Simples, não se insere. É algo de formação básica cuja ausência remete aos problemas mais elementares de educação, etc. Cada vez mais distantes de um debate político qualitativo, as aparência ganham relevo e renegam ao segundo plano o mais importante que é o posicionamento teórico-ideológico do qual derivam ideias, projetos, propostas e todos esses “pragmatismos” falaciosamente elevados ao primeiro plano político-eleitoral com jargões do tipo “vote em propostas”.

O debate e sua incrível função redentora à despolitização

Penso que seja consenso que a grande massa da população é alheia à discussão política em níveis alarmantes. É difícil afirmar os motivos disso, mesmo por que não parece uma relação linear de causa e efeito. Isso posto, também é razoável afirmar que as eleições são os momentos em que a população é minimamente instigada a dar atenção a questão política e muitos atendem esse chamado. Daí entra o incrível papel do debate com redentor à despolitização. Não raro, existem pessoas sujeitando seu voto ao resultado (resultado?) do debate. Não satisfeitos, julgam candidatos e candidatas com posicionamento ideológico, uma vasta história política e complexas articulações a partir de um desempenho totalmente ensaiado e superficial naquele momento. Não tenho muitas dúvidas em afirmar que quem condiciona seu posicionamento à um debate de algumas horas, provavelmente se omitiu da discussão política por muitos anos. Como face da mesma moda, acredito que quem busca acompanhar a conjuntura política constantemente dificilmente mudaria sua opinião a partir de um programa de algumas horas, sejam esses partidários ou não. Assim, o debate é algo construído reconhecendo esse cenário e totalmente apto a reproduzi-lo.


Não arrisco conclusões sobre esse tema visto sua complexidade. Apenas decidi compartilhar algumas questões para discussão. Em todo caso, uma análise de desempenho de um candidato-ator ou candidata-atriz não quer dizer nada fora do contexto. Por isso penso ser realmente útil discutir o debate em si e não somente seus resultados totalmente subjetivos e, consequentemente, de difícil mensuração. Além disso, o efeito que esses programas surtem naquilo que se convencionou chamar de "opinião pública" é inegável, o que os deixa passiveis de mais atenção para quem deseja compreender esse processo. Não é o caso de não mais assistirmos os debates, mas de apenas não sermos tão inocente ao ponto de pensar que eles esgotam a discussão ou são o clímax das eleições quando, em verdade, são apenas sínteses incompletas do cenário político-eleitoral-publicitário.


Fonte da figura: http://jornalmetro.com.br/wp-content/uploads/2014/08/estudio-band-debate-andre-porto-metro.jpg

terça-feira, 26 de agosto de 2014

A Viagem Hermética

André de Moraes



















Estava desenhando no céu e lembrei do dia em que fui à lua. Era uma nave de papelão e uma imaginação de seda. Reciclados os desejos redundantemente almejados de ser àquele longe-solidão e voltar ao perto-multidão. Mal sabia eu que o longe, povoado de pensamentos, me faziam tão multitativo... Eram muitas as metades que, mesmo justapostas, não faziam inteiros, mas permitiam combinações e fertilidades. No movimento dos vales e das terminativas saudades era o calor do atrito fundamental entre a palavra e seus labirintos. A lua despida. O imenso contido. A volição com-pressa. O sensato perigo e a fragmentada prudência vagavam nos indumentários batismos de uma cena deliciosamente não ensaiada. Sem luzes, era-me refratário o lugar das muitas perdas. Doravantismos me faziam não querer voltar. Mas, do mais parco pretérito, me seduzia a sankofa sem nunca encarar. Lembrava-me dos deixados, dos permanecidos e das borradas nuvens lacrimais. Deixava ali meus semblantes e suas tessituras e ao simples voltava sem a companhia de Moebius. Voltava às multidões tardias e ali era um eu entre muitos de mim. Chovia-me intensamente. Depois, enxuto de certezas contava as histórias, atos e assaltos. Não fossem as crateras teria corrido. Mas a nave continuava de papelão e em seu lugar seguro, o chão. O ponto no alto era apenas mais uma daquelas incógnitas luzes que nunca amanhecem. Apenas deixam a sensação que poderia ter sido mais. A lua era minha. Não mais quis desenhar no céu. Embora ainda não satisfeitos os olhos, me bastava a mente e o coração em colorismo. Dormi uma estrela, sonhei a Lua, virei metade do céu.


Figura: Grafiti de Mário Belém na Galeria Arte Urbana, Largo da Oliveirinha (Lisboa, Portugal)
(www.mariobelem.com / facebook.com/mariobellinni)
Foto: André de Moraes

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Na Contramão da Cultura: Prefeitura de Boa Vista Fecha a Casa do Neuber



Em meados de 2012, Neuber Uchôa e sua família acrescentaram no seu já considerável repertório de ações em prol da cultura local de Roraima e regional da Amazônia o espaço Casa do Neuber. Hoje fiquei surpreso em saber que o local foi autoritariamente fechado pela prefeitura de Boa Vista, RR e divulgo aqui a nota de esclarecimento e indignação de Carolina Uchôa. Sou totalmente solidário ao Neuber e sua família nessa luta e estou a disposição para ajudar a estourar as bolinhas amarelas dessa damurida. Areia!

André de Moraes

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NOTA DE ESCLARECIMENTO E INDIGNAÇÃO, por Carolina Uchôa

A vida inteira eu vi e ouvi meu pai cantando e adorando a sua terra, mesmo quando teve motivos para desistir, diante de tanta dificuldade a qual só se sabe quem é artista, sobretudo em Roraima.
Sempre vi a luta incansável do meu pai, para nos criar e alimentar do que há de melhor, inclusive intelectualmente – nos preparando dia a dia para sermos, eu e meus irmãos, seres do bem, éticos e proliferadores de nossa cultura e de nossos costumes -, numa demonstração diária de amor a nossa terra. E essa educação se estende ao povo de Roraima e aos seus fãs e admiradores, por toda a sua vida. Um povo, que há pouco tempo atrás tinha vergonha de si, andava de cabeça baixa, sorria com a mão no rosto, batia continência pra qualquer um que chegasse gritando autoridade “sabida” e só ouvia música internacional, nas rádios (que, por sua vez, são comandadas por políticos). Fomos criados para pensar, questionar, criar, para amar as pessoas e não as coisas. E a felicidade que todos andam atrás é perene em nossa vida, independentemente de qualquer bem material. A herança que meu pai vai nos deixar não tem valor calculável. Está acima do bem e do mal. E isso me basta para viver e ser. Nunca tivemos carrinhos de controle remoto, nem bonecas importadas, tampouco conhecemos a Disney. Nosso parque aquático é cachoeira, nosso carrossel é ciranda de roda, nosso carrinho é de rolimã, nossa boneca é de pano.
Nós somos uma família do bem, diferente de oligarcas do mal que predominam (por enquanto!!!) em nossa terra. Somos uma família de artistas, de pensadores, de articuladores culturais, de disseminadores de amor e música. Nossas notas são musicais; quem quiser que se mate por cédulas.

INTERDIÇÃO DA CASA DO NEUBER

Fechar uma casa de arte, um centro cultural da forma que a Casa do Neuber (meu pai) foi fechada, é abuso de poder. Uma verdadeira falta e respeito com todos nós e com nossos amigos, frequentadores da Casa. Foi um verdadeiro papelão o que a Prefeitura de Boa Vista fez. Fecharam a quadra com oito viaturas policiais e uma do corpo de bombeiros (forças que deviam chegar sempre para salvar e oferecer segurança e não o contrário, como foi feito), adentrando a casa fortemente armados, com metralhadoras em punho, ameaçando covardemente a integridade e a vida de todos os que ali estavam, visto que , a casa funcionava normalmente, com público presente, artistas e minha avó, uma senhora de 74 anos - a qual ficou visivelmente abalada. ASSUSTADOR! Essa Casa é nossa, é dos artistas, do povo, da alegria. E deveria ser enaltecida e apoiada pelo poder público - que nada faz pela cultura, não o contrário.
Tudo por causa de uma documentação atrasada. Me poupe! Devem os fundos (milhões e milhões) para Deus, o diabo e o mundo, e vêm querer atravancar justo uma casa cultural, que cobra míseros R$ 10,00 de entrada para pagar os artistas que se apresentam??!! Eu não consigo engolir isso.

Será que entraram no lugar certo?!

Dia desses houve uma fuga em massa de bandidos da Cadeia Pública; os hospitais estão caóticos, as escolas idem.O lixão é jogado irresponsavelmente no Rio Branco, de onde vem nossa água consumida. O dinheiro público ninguém sabe pra onde vai. Será que meu pai é bandido, pra ser tratado desta forma???

Não é qualquer rasteira que vai nos derrubar! Por que sequer saímos do chão. Quem anda olhando os outros por cima é urubu.

Que venham os próximos dias, com música e poesia nas nossas vidas.
Voltamos já, queridos amigos. Com site novo, projetos lindos e o astral que vocês já conhecem

Voltamos já!

COMPARTILHEM A VONTADE! obrigada.

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Fonte da figura: http://vanbrandao.com.br/category/edicoes/page/15/