terça-feira, 26 de agosto de 2014

A Viagem Hermética

André de Moraes



















Estava desenhando no céu e lembrei do dia em que fui à lua. Era uma nave de papelão e uma imaginação de seda. Reciclados os desejos redundantemente almejados de ser àquele longe-solidão e voltar ao perto-multidão. Mal sabia eu que o longe, povoado de pensamentos, me faziam tão multitativo... Eram muitas as metades que, mesmo justapostas, não faziam inteiros, mas permitiam combinações e fertilidades. No movimento dos vales e das terminativas saudades era o calor do atrito fundamental entre a palavra e seus labirintos. A lua despida. O imenso contido. A volição com-pressa. O sensato perigo e a fragmentada prudência vagavam nos indumentários batismos de uma cena deliciosamente não ensaiada. Sem luzes, era-me refratário o lugar das muitas perdas. Doravantismos me faziam não querer voltar. Mas, do mais parco pretérito, me seduzia a sankofa sem nunca encarar. Lembrava-me dos deixados, dos permanecidos e das borradas nuvens lacrimais. Deixava ali meus semblantes e suas tessituras e ao simples voltava sem a companhia de Moebius. Voltava às multidões tardias e ali era um eu entre muitos de mim. Chovia-me intensamente. Depois, enxuto de certezas contava as histórias, atos e assaltos. Não fossem as crateras teria corrido. Mas a nave continuava de papelão e em seu lugar seguro, o chão. O ponto no alto era apenas mais uma daquelas incógnitas luzes que nunca amanhecem. Apenas deixam a sensação que poderia ter sido mais. A lua era minha. Não mais quis desenhar no céu. Embora ainda não satisfeitos os olhos, me bastava a mente e o coração em colorismo. Dormi uma estrela, sonhei a Lua, virei metade do céu.


Figura: Grafiti de Mário Belém na Galeria Arte Urbana, Largo da Oliveirinha (Lisboa, Portugal)
(www.mariobelem.com / facebook.com/mariobellinni)
Foto: André de Moraes

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