terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O Mal do Ingresso Universitário Precoce

André de Moraes


Já é de praxe que todos os anos se tenham casos de aprovação de estudantes que não concluíram o ensino médio nos exames de ingressos nas universidades públicas (vestibulares e ENEM). Estes acionam a justiça para acelerar sua formação e garantir a vaga. Nesse ano não foi diferente. Alguns jornais de Manaus noticiaram alguns casos envolveram a Universidade Federal do Amazonas – UFAM e a Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Com isso, surge um debate que não podemos nos furtar, pois diz respeito a todos nós e, neste texto, exponho o porquê em dois pontos que considero principais.

Em primeiro lugar, que há uma questão de bom senso. Não se pode exigir de um adolescente que acaba de sair da infância uma decisão dessa magnitude tampouco os pais podem exercer o total controle sobre a vida dos filhos ao ponto de decidirem-na. Com muita propriedade, a Professora e Pedagoga Arminda Mourão, Diretora da Faculdade de Educação da UFAM em entrevista à A Crítica alerta que adolescentes de 16 anos não têm maturidade suficiente para o ingresso na faculdade considerando as etapas necessárias para o desenvolvimento intelectual e contato com temas importantes que o ajudarão a maturar essa escolha. Alguns dos exemplos que conheço são emblemáticos. Dos colegas que ingressaram comigo na UFAM com esse perfil, alguns disseram que teriam feito outro curso se tivessem tempo para escolher; outros abandonaram para fazer outras coisas; houve quem se formou, mas não atua na área de formação ou atua e não se sente realizado; há quem ainda esteja na universidade indo de curso em curso; poucos estão satisfeitos. Óbvio que somente uma pesquisa poderia ser mais precisa nesses dados, mas o cenário não parece que seria muito diferente deste. Todavia, o status que ainda representa o ingresso precoce na faculdade pública (não tenho notícias de tamanha ansiedade para ingresso numa faculdade privada) é capaz de ofuscar todos esses fatores em virtude de um prazer imediatista que pode resguardas desagradáveis conseqüências com as descritas.

Outro aspecto refere-se aos custos (na concepção mais ampla da palavra) da evasão no ensino superior, que pode ser resultado das escolhas equivocadas. Segundo a pesquisa do Professor Oscar Hipólito, o país chega a perder 9 bilhões de reais com a evasão no ensino superior. Não é uma cifra tímida. Este recurso poderia estar sendo revestido em melhoria de infraestrutura e ampliação de vagas das universidades públicas. Isso sugere urgentemente que pensemos em estratégias de diminuir esses índices de evasão ao assegurar maior nível de precisão na decisão dos jovens estudantes que ingressam nas universidades. Enquanto no Amazonas, e certamente em outras partes do Brasil, muitas famílias lutam por um ingresso precoce de seus filhos, há uma tendência mundial no sentido contrário. Uma iniciativa, ainda recente no Brasil, que visa garantir um intervalo qualitativo entre o ensino médio e a faculdade já está em curso e é muito bem vista. Conhecida no Brasil como “Pré-Graduação”, esta permite ao estudante uma experiência diferenciada com todas as áreas do conhecimento incluindo ciência, filosofia e artes como forma de qualificar sua escolha (mais informações nesse vídeo). É importante destacar que se trata de um serviço que não é barato e o governo não dispõe de tal. Mas é uma experiência importante para ajudar a pensar esse processo de precipitação rumo ao ensino superior que estamos presenciando.

Sobre essa questão, verifiquei que nesse ano a UEA questionou o pedido de matrícula de um estudante que não havia concluído o ensino médio e que a direção da UFAM aparentemente nada faz a esse respeito este ano (e talvez nem nos anos anteriores) sem, sequer, problematizar a situação internamente. O questionamento da UEA foi importante para se travar minimamente um debate que resultou em algumas outras reportagens mesmo a apelação tendo sido negada pelos desembargadores. A questão está longe de um consenso ao passo que existem posicionamentos de servidores do poder judiciário que reprovam o ingresso precoce como é o caso do promotor Sérgio Fernando Harfouche, titular da 27ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude. Todavia, ainda é insipiente o debate sobre o assunto. Mas os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Amazonas não estão sós em cometer o desfavor de promover o ingresso precoce. Está em tramitação na Câmara o Projeto de Lei 6834/10, de autoria do Deputado Federal Sebastião Bala Rocha (PDT-AP), que permite a matrícula em universidades para estudantes que tenham concluído o segundo ano do Ensino Médio e sido aprovados em exames de ingresso. Ou seja, já existe uma tentativa de formalizar todo o desastre anunciado com uma justificativa paupérrima (acesse o projeto na íntegra aqui). Acredito que esta é uma pauta importantíssima para a educação no país e as universidades, como espaços de formação intelectual e crítica, não podem se furtar a esse debate, mesmo por serem as mais atingidas.

Por fim, deixo a ótima reflexão feita pela professora Amélia Luisa Damiani do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. Esta destaca que a expectativa de vida vem aumentando no último século e, contraditoriamente, as pessoas parecem ter mais pressa em definir suas vidas quando poderiam aproveitar melhor as fases. O “tempo” social urbano está viciado no imediatismo pragmático que não permite experiência outras que não estejam amarradas a palavras como relógio, despertador, expediente, hora. Sair desse ciclo é dificílimo depois que se é absorvido pelo mundo do trabalho. Então, por que adiantar esse universo para um adolescente que ainda nem consolidou suas experiências pessoais e sociais? Isso é preocupante. Faz recordar o não reconhecimento da infância no período da revolução industrial onde as crianças eram tratadas como meros adultos em miniatura. Só existe perda de tempo para quem se ilude acreditando que tem sua posse total. Logo, deixemos que os ciclos se completem. Se assim não for, em pouco tempo estaremos formando crianças exigindo que elas tenham atitudes de adultos, ou seja, uma incoerência sem tamanho.


3 comentários:

  1. Caro amigo Andre', concordo em parte com seu discurso, no entanto, uma visao de quem faz parte da Seguranca Publica, essa situacao acaba sendo, de certa forma, um alivio, pois ao passo que um desses adolescentes estao se ocupando nas atividades universitarias, o mesmo reduz a possibilidade de esta se ocupando em atividades criminais, a cada dia vemos crescer o numeros de criancas envolvidas nas atividades do crime e infelizmente sabemos que grande parte disso se deve a falta de atividades educacionais, esportivas e artisticas. Ou seja, adolescentes universitarios, dos males os menores.

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  2. COlega,
    Compreendo a sua visão e por isso extendo a crítica ao fato de que temos que repensar o sistema de ensino como um todo. Talvez a estatísticas deêm conta de que aqueles que ingressam no ensino superior precocemente não são os mesmos que viriam a se envolver com o crime. De qualquer forma, é um ponto de vista interessante que deve ser considerado nessa discussão.
    Abraços.

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  3. O Brasil infelizmente está há 20 anos de atraso frente aos países desenvolvidos na questão da educação. Por exemplo, no Japão muitos discentes iniciam com essa idade nas universidades. Nos Estados Unidos existe um sistema eficiente, onde alunos com capacidade de gênio avançam para séries posteriores. Então, não vejo problema algum se um aluno foi capaz de se submeter a um exame e ser aprovado para cursar. Não podemos dizer que não terão maturidade. Não podemos generalizar.

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