quinta-feira, 16 de julho de 2015

Sobre Lágrimas e Feijão

(André de Moraes)

Naquela árdua manhã suava breve o coração. Sem muitos esforços, mas tenso como o nascer de um botão, propagava suas sementes de vida.

A árdua manhã
Suava forte o coração
Transformando em força a emoção


E aquele abraço que nos fazia sair do chão
No tempo em que não cabia no coração

O chão é a prova
Do quão alto podemos chegar

As lágrimas enganam
Quem pensa que os olhos

C-oração
Em silencio
Nunca em vão

 não saia do corpo
Antes era mais urgente que o almoço
E medida inexata apertava a mão
Que mesmo longe estaria

...

O coração da gente sempre tende a nos fazer acreditar que

Trabalhos da alma fazem suar o coração. Ainda bem que existem abraços.

O amor parece ter um lugar em nosso coração que sempre está ocupado pela duvida

O coração de quem luta é um desses lugares reservados para mães com criança de colo, pessoas com deficiência, idosos.


No fim, queremos a perfeição. Quão ruim seria se a alcançássemos.


terça-feira, 14 de julho de 2015

O Devir dos Devaneios em Dívida

(André de Moraes)



Pensei em escrever o que sentia
Embora não entendesse aquele incolor
Que transformava qualquer sentimento em amor
E a qualquer coração preencheria
Oscilando do lamento a euforia
Imune mesmo ao melhor ator

Pensei em dizer o que caia
Mas o céu me fez refletir
Em quantas palavras estariam por vir
E toda aquela que com a memoria se ia
Sem a luz que tornava noite em dia
Mas com sons que nos fariam sorrir

Pensei em cantar eternidades
Mas o tempo haveria de provar
Que nem toda a humanidade pode povoar
Um coração de não saciadas vontades
Sem sossego e vagando sobre invisíveis cidades
Até o dia em que pudesse encontrar
Bar
     Mar
            Lar
Tudo na mesma idade
Numa mesma cidade
Numa mesma viagem
Ou num mesmo voar

Pensei em tornar-me vento
Mas ele não tardou a me explicar
Que em suas direções eu não poderia habitar
Pois nossas vidas eram intenso movimento
A reduzir a nada qualquer intento
Que ousasse pensar em nos barrar
Então percebi que havia muito a semear
Para manter a vida distante do lamento

Nada mais pensei
Antes satisfiz a vontade amiga
De não mais caminhar a rua não florida
E tornar sem sentido qualquer lei
Que não servisse para atestar que nada sei
Mesmo sobre a pretensa verdade mais antiga
Longe da dúvida que mantém, nutre e abriga
Todo futuro que para trás deixei


Foto: "Devaneio em Dívida", André de Moraes. Autazes, maio de 2015.

quarta-feira, 25 de março de 2015

O Lugar do Coração de Joana

André de Moraes




Há uns 15 dias atrás, indo para meu lugar de trabalho desses últimos meses (as balsas da "Manaus Moderna"), percebi que os camelôs lá de perto haviam sido removidos. Vários avisos pintados na parede verde de metal próxima do Mercado Público de Manaus indicavam o local para onde eles tinham sido realocados, com a esperança de serem procurados pelos clientes, se fiéis. Enquanto pensava na (re)produção do espaço urbano e o quanto estamos alheios a esse processo, deparei-me com um cartaz que dizia: "Aqui deixo meu coração no meu trabalho e sentirei muitas saudades dos me (meus) amigos e companheiros de trabalho durante anos. Onde estivermos seremos felizes. Tchau" [grifo meu]. Assinava Joana. Não pude deixar de pensar na condição de 'lugar' (conceitualmente falando) daquele espaço e todo o rico conteúdo sociocultural que o animara durante os duros, porém felizes, anos de trabalho. Lembrei-me que, de fato, ao passar por ali, não raro, havia relações outras que não apenas aquelas relacionadas à dimensão econômica. Uma pequena banca de bebidas ao som de uma 'sofrência' qualquer. Sorrisos que pareciam ser um refúgio à condição marginal daquelxs trabalhadorxs. Cumplicidades ao dividir a comida e/ou a cerveja. Tantas outras vivências invisíveis... Conversei com o vendedor de redes que, clandestinamente, resistia à saída. Desejei boa sorte na nova fase e ele agradeceu. Parecia querer entender sua desterritorialização e, na insuficiência das respostas, voltou para onde sentia-se parte. Agora sem Joana, tendia a ceder sua vida territorial ao anônimo transeunte que jamais compreenderia as tecituras sociais ali construídas. No camelódromo talvez até permanecessem próximxs. Mas agora na função de inaugurar uma nova história com o espaço que, provavelmente regulamentado em demasia considerando seus costumes, jamais seria o mesmo lugar. Ficava a memória. No caso de Joana, manifesta publicamente como forma de dizer que aquele espaço continuaria sendo um lugar para si e para xs amigxs onde, simbolicamente, deixava seu trabalho social e coração. Não conheci Joana, mas certamente senti-me próximo. Emocionei-me e, por um momento, temi que chovesse e estragasse o cartaz. Bobagem. Acabei agradecendo a ela pela experiência e segui para o trabalho. Por um breve momento, me arrependi de só ter parado ali quando tudo havia se ido. Meu dia teria menos cor, mas Joana me fez acreditar que o delxs, onde quer que estivessem, estaria feliz.


Foto: "Despedida de Joana" por André de Moraes (Centro de Manaus Próximo ao Mercado Público em março de 2015).

segunda-feira, 9 de março de 2015

O Passado em Desabraço

André de Moraes

















Ela deveria partir
E nada a ser feito senão acenar
Para a delicada lágrima a rolar
E conter o desejo do que haveria de florir
Nas lembranças semeadas no jardim
Mas que não mais deveriam brotar

A falta era um aviso breve
Daquele insistente fragmento de tempo
Que não se ia com apenas um lamento
Mas seria morada do sentimento nada leve
Tão comum quanto fogo em neve
E tão apagado quanto brasa ao vento

Um abraço afastou a dor
Todavia o desfazer anunciou sua volta
E como quem visita aos inimigos sem escolta
Neguei pela última vez àquele estridente clamor
De deixar falar a saudade calando o amor
Permitindo-a partir como quem um balão solta

Os sambas me faziam sentido
Na renúncia de todos os futuros momentos
Sentindo que, mesmo correndo, era lento
O afastar-se daquele desejo nada comedido
Agora rico em ausência e deslealmente vencido
Apenas deixava cair-se ao instrumento
A quem confessava seu vão pensamento
De saber onde estava, embora perdido

Não a pedi que ficasse
Antes me despedi como quem luta
Contra a própria vontade doce e bruta
Desmanchada ao menor sinal do desenlace
Tornando úmida e lacrimal a mesma face
Que lhe sorria mesmo na mais árdua labuta
Quando sua voz era toda a minha escuta
E seu menor pedido era para que eu entrasse

Flagrei-me conversando com o tempo
Interessado no meu passado este me contava
De quantas muitas horas tudo aquilo se formara
E o quanto aquele “embora” lhe era documento
Atestado de que não fora em vão nenhum momento
E elevou aquela sofrida ida ao status de rara
Revelando-me que seu segredo que a tudo sara
Sempre se iniciaria com algum sofrimento...


Ilustração: Kerolayne Kemblim.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Vida Entre Idas

André de Moraes



















Despedindo-se ia embora o sol
Levando o barco consigo
Sem, todavia, fechar as janelas do abrigo
Onde cultivamos o amarelo girassol
Alimentado por nossas luzes em farol
Que deixavam as claras o beijo amigo
Tanto com todos quanto comigo
Nunca se apagavam senão abaixo de um lençol

Continuava a leve partida
Dos pertencimentos nunca suficientes
Para uma vida que busca liberdade em torrente
E, vivendo o amor, emergia decidida
Como quem um dia ficou dividida
Mas agora sorria como quem nunca fora contente
Ao não se conter em desejo eminente
Deixava ir o barco que lhe trouxera a vida

Até o pássaro voou
Agressivo e arredio a cada grade da gaiola
Fazendo pensar no quanto lhe pareceu esmola
Todos os momentos em que não se embriagou
Todos os corações que não frequentou
E a infertilidade de tudo que havia naquela sacola
Mas agora feliz sorria ao pensar na nova escola
Onde a alegria a despiu e beijou

Nada ia sem leve alívio e lamento
Mas ficavam os raios de sol mais ardentes
Que, no fundo, despertavam a adormecida mente
E explicitavam nossa virtude de ser vento
E dançar com quem encontra ao relento
Deixando mais sorrisos mesmo no mais contente
Enquanto o amor se torna carinhoso e indecente
E se propaga no leve e intenso movimento

Nuvens testemunharam tudo
Da mais alegre e vibrante euforia
Que vem e volta como sexo em melodia
E ao mais falante deixa mudo
Como quem reconhece o prazer e abaixa o escudo
Entendendo a despedida como uma galeria
Onde a perniciosa arte por toda parte estaria
E sugerisse lembranças como quem toca veludo

Mas ainda permaneciam idas
E entre o que se foi e o que vem depois
Nada mais habitava senão nós dois
E nossa liberdade de sermos almas perdidas
À encontrar a intelectual libido naquelas descidas
Que levavam à profundidade que sempre se expôs
E ali habitamos nas delicias que um dia se propôs
Serem infinitas como parecia ser sua nova vida...


Foto: Thiago Franco, 2015.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Dias de Café

(André de Moraes)

Tão banal quando comer
Seriam aqueles dias
Quando tu chegavas e eu partia
Mesmo quando não era a ideia se esconder
E sozinho ao anoitecer
Sobre o ócio refletia...

Sabe aqueles dias
Quando o passado parecer fazer mais sentido
O passar no presente é um alívio
E o futuro nos é mera fantasia

Aqueles que simplesmente passam
Sem relógio que o meça
Ou atraso que lhe seja pressa
E apenas de um lado para o outro vagam

Dias que encharcam os olhos
Remontam-nos ao beijo
Ao sorriso que ornamentou o ensejo
E perfeito entardecer naquele colo

Esses mesmo de preguiça e lençol
Quando o trabalho pesa mais
A cabeça leva e trás
Os ardores de um dia de sol

Por esses dias havia vida e mundo
Mesmo que escondidos no bolso
Que àquela altura era como poço
E nossas mãos chegariam ao fundo

Dias quase perdidos
Se não fosse o corpo
Que descansa em cada porto
E em curto tempo o torna comprido

Sim.
Dias de dizer adeus
Às ruínas que sobraram daquele tempo
Que mesmo servindo para novo monumento
Não deveria compor o meu

Dias passageiros e permanentes
Que descontam momentos de plenitude
De um passado envolto em atitude
Que faz ressurgir o desejo latente

São apenas dias de fé
Daqueles que temos que passar a pé
Mas nada que um bom passado não envolva
Um intenso presente não resolva
E um imprevisível futuro não devolva
E o dia seja apenas como um bom café...

...

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Amadorismos de um Governo Estadual Alheio às Políticas de CT&I

(André de Moraes)

Analisar comparativamente a conjuntura política nas diversas escalas no âmbito nacional é uma demanda contínua. Para além da verticalidade partidária ou de coligações, o que garante certo nível de alinhamento político entre as escala nacional e estadual/municipal, existe uma demanda de que os estados e municípios estejam atentos às discussões em âmbito nacional para não perder oportunidades, falando no sentido estratégico mais técnico do que político.

Infelizmente, o Estado do Amazonas (onde resido) nunca foi um modelo nessa estratégia e a situação tende a se agravar com o "novo" governo estadual que temos. Prova disso é a hipótese de extinção da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Amazonas num momento histórico no Brasil com a promulgação da Emenda Constituinte (EC) 85 que inclui, definitivamente, a CT&I como Política de Estado referendada na Constituição. Tal ação reconhece o avanço nas discussões de soberania que, há muito, incorporaram a CT&I como parâmetro incontestável, uma vez que nenhuma nação pode se considerar soberana se depende de tecnologias desenvolvidas em outras. Daí a questão do CsF priorizar as áreas tecnológicas, etc. (um modelo de desenvolvimento questionável, mas de importante compreensão). Torna-se irônico pensar que, por muito tempo, essa pauta foi liderada pelo então Secretário da SECTI-AM, Odenildo Sena, quando este era presidente da CONSECTI e, talvez no momento de sua efetivação nem tenhamos SECTI para comemorar, tampouco, usufruir dos benefícios desse avanço.

Nesse contexto, somente um pragmatismo político muito amador para questionar a importância de uma instituição para coordenar as as políticas de CT&I em âmbito estadual. O ridículo argumento de extinguir a SECTI como forma de enxugar a máquina pública é completamente inconsistente. Mesmo eu que não sou um especialista em administração pública sei que o orçamento da SECTI-AM, que é bem aquém do que deveria, é despendido quase que totalmente para folha de pagamento, além de algumas outras rubricas que viabilizam suas atividades fim e meio. Assim, como sustentar que esta onera a máquina pública?

Demonstrar vontade política de ajustar as contas do estado seria tratar a LDO com seriedade e, acima de tudo, lutar contra a corrupção. Mas como já venho discutido com alguns amigos, parece-me que, mesmo se não houvesse corrupção, muita coisa não andaria por conta da falta de capacidade técnica e gerencial da maior parte no alto escalão, principalmente de assessores diretos do governador. No caso do governo José Melo no Amazonas, parece que padeceremos dos dois problemas e pior, regredindo nas políticas de ciência, tecnologia e passando longe da inovação que ainda não esta tão próxima assim, mas certamente tem/tinha um caminho promissor.

...

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Velhos Amores... Aquecer ou esquecer?

(André de Moraes)




Velhos amores... Esquecer ou aquecer?


Para esquecer, tempo. Para aquecer, momento.
Para esquecer, amigos. Para aquecer, abrigos.
Para esquecer, espaço. Para aquecer, abraço.
Para esquecer, novo. Para aquecer, povo.
Para esquecer, farol. Para aquecer, lençol.
Para esquecer, viagem. Para aquecer, imagem.
Para esquecer, perdido. Para aquecer, despido.
Para esquecer, drama. Para aquecer, cama.
Para esquecer, luta. Para aquecer, puta.
Para esquecer, míngua. Para aquecer, língua.
Para esquecer, morto. Para aquecer, corpo.
Para esquecer, balança. Para aquecer, dança.
Para esquecer, distante. Para aquecer, ofegante.
Para esquecer, inteiro. Para aquecer, cheiro.
Para esquecer, nexo. Para aquecer, sexo.
Para esquecer, ira. Para aquecer, “vira!”.
Para esquecer, escolta. Para aquecer, volta.
Para esquecer, reações. Para aquecer, posições.
Para esquecer, oculta. Para aquecer, sutra.
Para esquecer, súplica. Para aquecer, música.
Para esquecer, doses. Para aquecer, goles.
Para esquecer, romaria. Para aquecer, putaria.
Para esquecer, agonia. Para aquecer, poesia.
Para esquecer, cachaça. Para aquecer, mordaça.
Para esquecer, não. Para aquecer, mão.
Para esquecer, maldição. Para aquecer, ereção.
Para esquecer, dúvida. Para aquecer, úmida.
Para esquecer, dor. Para aquecer, amor.
Para esquecer, amor. Para aquecer, dor.


Velhos amores... Esquecer ou aquecer?




Ilustrações: Kerolayne Klembim.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

À Vontade, o Samba

(André de Moraes)



O samba me dizia que chorasse
E ali derramei um pouco de ti
Daquele veludo-você que ainda havia em mim
Ou me invadia mesmo se eu me fechasse
Falando à boca ainda que com um beijo a calasse
E naquela noite voltasse a morar em si

O samba me constrangia a sorrir
E perdido na paisagem dos improvisos
Onde perguntas se liam ao invés de avisos
E induzia amores dos corpos sair
E testando os lábios daquela que haveria de vir
Perdia-me no intervalo entre o céu e o piso

O samba de fazia cantar
Um extenso repertório de músicas e mulheres
Sem deixar de lado a saudade daquela que fere
E deixou-se em lembrança em cada olhar
Tanto das que meus olhos e vontades ainda hão de visitar
Quanto àquelas que me foram breves

O samba me fazia fechar os olhos
E no escuro via corações atarefados
Uns correndo para dançar enquanto desamarrados
Outros contentes e aconchegados em seus colos
Mas todos desprendidos e dispostos a um voo solo
Enquanto durasse o tempo de seus pecados

O samba tentou despedir-se de nós
Mas no calor das fantasias que íamos tirando
Percebi que alguns acordes e batuques foram novamente se juntando
E ressurgia aquela livre e coletiva voz
Que trazia-nos de volta da mais distante foz
E ecoou no morro que continuava sambando
Ao regresso do samba à roda brincando
Deixava a saudade lá fora a espera de nós...


Fotos: Sambaqui - República Livre do Samba; André de Moraes (jan/2015).