Há uns 15 dias atrás, indo para meu lugar de trabalho desses últimos meses (as balsas da "Manaus Moderna"), percebi que os camelôs lá de perto haviam sido removidos. Vários avisos pintados na parede verde de metal próxima do Mercado Público de Manaus indicavam o local para onde eles tinham sido realocados, com a esperança de serem procurados pelos clientes, se fiéis. Enquanto pensava na (re)produção do espaço urbano e o quanto estamos alheios a esse processo, deparei-me com um cartaz que dizia: "Aqui deixo meu coração no meu trabalho e sentirei muitas saudades dos me (meus) amigos e companheiros de trabalho durante anos. Onde estivermos seremos felizes. Tchau" [grifo meu]. Assinava Joana. Não pude deixar de pensar na condição de 'lugar' (conceitualmente falando) daquele espaço e todo o rico conteúdo sociocultural que o animara durante os duros, porém felizes, anos de trabalho. Lembrei-me que, de fato, ao passar por ali, não raro, havia relações outras que não apenas aquelas relacionadas à dimensão econômica. Uma pequena banca de bebidas ao som de uma 'sofrência' qualquer. Sorrisos que pareciam ser um refúgio à condição marginal daquelxs trabalhadorxs. Cumplicidades ao dividir a comida e/ou a cerveja. Tantas outras vivências invisíveis... Conversei com o vendedor de redes que, clandestinamente, resistia à saída. Desejei boa sorte na nova fase e ele agradeceu. Parecia querer entender sua desterritorialização e, na insuficiência das respostas, voltou para onde sentia-se parte. Agora sem Joana, tendia a ceder sua vida territorial ao anônimo transeunte que jamais compreenderia as tecituras sociais ali construídas. No camelódromo talvez até permanecessem próximxs. Mas agora na função de inaugurar uma nova história com o espaço que, provavelmente regulamentado em demasia considerando seus costumes, jamais seria o mesmo lugar. Ficava a memória. No caso de Joana, manifesta publicamente como forma de dizer que aquele espaço continuaria sendo um lugar para si e para xs amigxs onde, simbolicamente, deixava seu trabalho social e coração. Não conheci Joana, mas certamente senti-me próximo. Emocionei-me e, por um momento, temi que chovesse e estragasse o cartaz. Bobagem. Acabei agradecendo a ela pela experiência e segui para o trabalho. Por um breve momento, me arrependi de só ter parado ali quando tudo havia se ido. Meu dia teria menos cor, mas Joana me fez acreditar que o delxs, onde quer que estivessem, estaria feliz.
Foto: "Despedida de Joana" por André de Moraes (Centro de Manaus Próximo ao Mercado Público em março de 2015).
Nenhum comentário:
Postar um comentário