segunda-feira, 9 de março de 2015

O Passado em Desabraço

André de Moraes

















Ela deveria partir
E nada a ser feito senão acenar
Para a delicada lágrima a rolar
E conter o desejo do que haveria de florir
Nas lembranças semeadas no jardim
Mas que não mais deveriam brotar

A falta era um aviso breve
Daquele insistente fragmento de tempo
Que não se ia com apenas um lamento
Mas seria morada do sentimento nada leve
Tão comum quanto fogo em neve
E tão apagado quanto brasa ao vento

Um abraço afastou a dor
Todavia o desfazer anunciou sua volta
E como quem visita aos inimigos sem escolta
Neguei pela última vez àquele estridente clamor
De deixar falar a saudade calando o amor
Permitindo-a partir como quem um balão solta

Os sambas me faziam sentido
Na renúncia de todos os futuros momentos
Sentindo que, mesmo correndo, era lento
O afastar-se daquele desejo nada comedido
Agora rico em ausência e deslealmente vencido
Apenas deixava cair-se ao instrumento
A quem confessava seu vão pensamento
De saber onde estava, embora perdido

Não a pedi que ficasse
Antes me despedi como quem luta
Contra a própria vontade doce e bruta
Desmanchada ao menor sinal do desenlace
Tornando úmida e lacrimal a mesma face
Que lhe sorria mesmo na mais árdua labuta
Quando sua voz era toda a minha escuta
E seu menor pedido era para que eu entrasse

Flagrei-me conversando com o tempo
Interessado no meu passado este me contava
De quantas muitas horas tudo aquilo se formara
E o quanto aquele “embora” lhe era documento
Atestado de que não fora em vão nenhum momento
E elevou aquela sofrida ida ao status de rara
Revelando-me que seu segredo que a tudo sara
Sempre se iniciaria com algum sofrimento...


Ilustração: Kerolayne Kemblim.

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