Juliana A. Alves
Mais cedo eu havia marcado uma consulta com um médico. É mais fácil assim quando se tem dinheiro e se pode comprar um serviço.
Nem imaginava que à tarde lá estaria eu lendo sobre a loucura na Idade Clássica nos corredores do HUGV. Concentrada na leitura, em meio a gritarias de criança, pequenos bate-bocas e avisos, mal percebo que uma senhora senta-se ao meu lado. Apenas, escuto alguns murmúrios e o barulho de alguns papéis sendo revirados numa sacola de plástico. Aterrizo, quando sinto que meu braço foi tocado. Saí da leitura e virei em direção ao toque. Vejo uma senhora com traços marcantes de uma idade avançada, morena, descabelada e com um leve aspecto de desleixo. Ela me olha e murmura algumas coisas que não consegui entender. Ela repete mais claramente. Finalmente, entendo. Ela deseja se consultar com um médico ginecologista. Até aí não sabia no que poderia ajudar. É quando eu entendo, em meio a algumas palavras, “eu não sei o nome do médico [...] mas, tem em algum lugar desse papel aqui”. Canalizo um pouco mais da minha atenção nesse momento. Ela me disse: “eu não sei ler, vizinha”. Levanto-me e prontifico a ajudar. Encontro o nome do médico e pronuncio a ela. Ela me fala dos muitos exames que fez e dos que ainda irá fazer. Mostra-me os muitos papéis com explicações sobre os exames. Os quais ela não entende. Tento resumir e explicar. É quando ela puxa de dentro da sacola de plástico a cédula de identidade. Velha, amarelada e corroída. No campo da assinatura datilografado leio: NÃO ASSINA. Um tanto chocada me perco no horizonte que se encontra ao meu alcance. É quando ela muito inocentemente bate na barriga e solta “eita, barriga grande...parece até que estou grávida”. É quando meus olhos percorrem seu corpo. Corpo pequeno atrofiado similar ao de uma criança de 12 anos, de baixíssima estatura e com resquícios de um padrão alimentar precário. Fiquei por alguns segundos tentando refletir em como a Saúde Pública poderia resolver o problema do analfabetismo. Pensei em cartilhas com desenhos explicando os métodos de exames ou mesmo em vídeos explicativos. Lá pelas tantas a senhora a senhora se despede, se afasta e vai embora. Já distraída e pensando longe. Escuto histórias que ecoam pelos corredores. Por fim, escuto uma voz firme com linguagem sofisticada. É uma enfermeira tentando acalmar, “iludindo”, aquelas passivas pessoas sobre a ausência do médico. É, é isso mesmo. Os médicos faltam, não honram com seus horários e se utilizam de gripes de mais de uma semana. É sabido que a gripe comum mata. E mata muito mais do que a polemica H1N1. Mas, é somente os pobres que tem gripes de 2 e no máximo 3 dias?! Lá estava ela relatando que o atendimento e a estrutura do HUGV são de excelente qualidade. Logo após, ter dito que ‘hoje só estamos com 2 especialidades: pediatria e oftalmologia’. Dizendo que, até mesmo na UNIMED, onde é seu plano de saúde, agüenta “chá de cadeira”. Que falácia!
Não conheço a estrutura da UNIMED e nem tampouco conheço tecnicamente a estrutura do HUGV. Mas, a princípio me pareceu precária. Maquiada. Um bolo com cobertura atraente e massa de péssima qualidade. O atendimento para com aqueles que pagam por este serviço é péssima. Logo, com profissionais que, mais do que os demais, deveriam resguardar valores humanitários com seu próximo. A Stultifera Navis se perdeu pelos rios amazônicos e transformou a própria cidade num grande problema de Saúde Pública.
* A nave dos Loucos ou dos néscios (no original alemão, Dás Narrenschiff, em sua tradução latina, Stultifera Navis) é uma obra satírica e moralista publicada em Basilea em 1494 e escrita pelo teólogo, jurista e humanista conservador de origem alsaciano e cultura alemã Sebastian Brant (ou Brand).
Fonte da nota e da figura:http://pt.encydia.com/es/A_nave_dos_n%c3%a9scios
Isso ae JU e André! Vamo continuar com a informação livre!! Gostei muito do texto e deixo um pensamento!
ResponderExcluirA saúde retrata o nível de interesse do poder público para com as pessoas! Precisamos de Liberdade de escolha e de pronto atendimento! esse é o egoismo da sociedade "pensar ser melhor que alguem!
Abraço
O Heitor tem toda a razão.
ResponderExcluirGerar informação é cidadania extendida.
Na saúde pública, precisamos de mais médicos mais humanistas. Realmente é difícil pensar nisso quando se deduz que a maioria dos que tem condições de cursar medicina na faculdade pública (pela preparação) ou particular (pelo alto custo) não dependeram dos serviços públicos.
Defendo políticas afirmativas. Cotas nos cursos mais elitizados é um começo.
Abraços.
Infelizmente,
ResponderExcluiro curso de medicina não é mais feito com paixão(e nem sei se um dia foi..ou se apenas algumas pessoas, assim dessa forma, exerceram a medicina: como Ernesto Che Guevara,Alfredo da Matta,Osvaldo Cruz e etc..Parece que medicina é status! A precariedade da saúde no interior do Estado é aterrorizante!! Os médicos não querem atuar no interior, isto porque lá, diferente da capital, as condições são precárias e exige muito mais trabalho deles. Não aceitam trabalhar nessas cidades mesmo ganhando 2 ou 3 vezes mais do que ganhariam em Manaus.
É chocante o caso de Rondônia: http://www.centralrondonia.com.br/?secao=noticias&cid=0&id=15237
Concordo com o André: Cotas para cursos elitizados. E diria mais: obrigatoriedade de residência médica nas cidades do interior do Estado. Ou estágio de no mínimo 2 anos para retribuir para a sociedade a sua formação. Talvez, isso os tornem mais humanos!
Abraços.
Quando estive no hospital,
ResponderExcluiracompanhando a minha mãe, em leito de morte, fui informado que, em se tratando de SUS, o Amazonas dispõe de um dos melhores serviços do Brasil.
Coitados de nós brasileiros!
Nossa..se dispomos de um dos melhores..imagine os piores?! =/
ResponderExcluirNão dá pra dizer que o Amazonas dispõe de um dos melhores serviços. É só atentar para o quadro das cidades do interior do Estado. É ruim quando a amostra se restringe apenas a Manaus..