segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

As Implicações Socioambientais da Contrução da Usina Hidrelétrica de Belo Monte

Numa discussão na ListaGeografia sobre a polêmica em torno da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a Geógrafa Elaine Regina Branco contribuiu de forma substancial para o debate. Com sua autorização expressa, publico sua ótima intervenção para subsidiar as discussões e promover a "cidadania extendida" com a geração e socialização da informação, que é proposta desse blog.


As Implicações Socioambientais da Contrução da Usina Hidrelétrica de Belo Monte
 

Caro Edson e colegas do grupo, é com muita satisfação que dou as minhas contribuições ao debate sobre Belo Monte. Um pouco que vou escrever aqui integra um artigo que escrevi sobre Belo Monte.
Estive no Pará, conversei com algumas pessoas, mas não é só isso que ampara os meus argumentos sobre o assunto. Minhas afirmações não se baseiam em conversas com meia dúzia de pessoas. São anos de estudos, vivência em comunidades, dados e informações científicas, legislação e o mais o que vejo ser mais precioso: a articulação da maioria de indígenas e ribeirinhos contra Belo Monte. Mais precioso porque ainda acredito no Brasil, na cidadania, nos direitos fundamentais do brasileiro, como o que está em cheque, o de ir e vir dessas populações. Aliás, respondendo a indagação da amiga Luciana e aproveitando para denunciar: os ribeirinhos do rio Madeira têm o prazo até 15 de fevereiro de 2011 para deixarem o local. Além do direito individual, existem outros que serão violados com a construção de Belo Monte: o de memória, econômico/cultural, político e ambiental.
Não quero vangloriar a minha formação, mas o fato é que, nós geógrafas e geógrafos, não compreendemos o "meio-ambiente" e sim a o "ambiente" como um todo, homem e natureza integrando e transformando o espaço. O grande Franz Boas, antropólogo, geógrafo de formação, nos deu uma importante contribuição útil ao nosso debate que é a noção de "Relativismo Cultural". Tal noção, trazendo-a para a nossa discussão, retrata a diferença de olhares sobre uma mesma questão devido aos valores das diferentes culturas, ou seja, no caso, o que significa desenvolvimento para você, pode não ser o mesmo para uma comunidade indígena ou população ribeirinha. O valor das coisas, das mercadorias, produtos e serviços para você pode não ser o mesmo para os outros povos. Compreendi bem isso quando ouvi um Cacique Kayapó dizendo que o rio é o "seu supermercado, sua venda, seu açougue".
Diante dos dois pontos de vistas diferentes, temos um empate: de um lado nativos e ribeirinhos defendendo seu modo de vida e cultura, do outro, políticos, pessoas, como o nosso amigo Edson, que acreditam que a construção da hidrelétrica trará benefícios ao país. Já até ouvi falar que o direito de uma minoria não pode sobrepor aos interesses da maioria do país. Neste caso, primeiramente é preciso recorrer a história e procurar saber o por que hoje esses povos são minorias. Daí outra questão para refletirmos: o fato de serem minorias não deveria ser motivo para respeitarmos as suas culturas, cultivar as diferenças para o crescimento da democracia e diversidade? Alguns insistirão: Mas o Brasil precisa se desenvolver! São milhões de brasileiros!
Nestes termos concordo que o Brasil precisa se desenvolver e não progredir. Desenvolvimento e progresso são conceitos bem diferentes e fundamentais para compreendermos o que queremos para o nosso povo e país. Enquanto o desenvolvimento é sinônimo de melhoria de qualidade de vida da população independente da cultura, o progresso remonta a evolução de uma sociedade. Seria como se houvessem degraus onde no mais baixo estariam as sociedades primitivas, almejando pelo último degrau: de uma sociedade capitalista ocidental. O progresso está intimamente ligado ao sistema capitalista: benefício de meia dúzia em detrimento da maioria. Temos de ter muito cuidado com isso!
Estive na capital do Pará, Belém. Em todo canto vemos lixo jogado, esgoto a céu aberto, palafitas sobre os esgotos, hospitais cheios devido às péssimas condições sanitárias. Isso é desenvolvimento? Os investimentos em hidrelétricas, como a de Tucuruí, trouxeram qualidade de vida para a população? Sabemos que o povo paraense paga o maior imposto sobre eletricidade, suas contas são as mais caras do país. Também sabemos que a Albrás consome cinco vezes mais que toda população do Pará e que, segundo R.R. Bahia, tem um subsídio que corresponde a metade do valor do custo da hidrelétrica de Tucuruí. Isso é progresso ou desenvolvimento?
Pois bem, ainda haverá aqueles que dirão: mas as hidrelétricas é que geram a energia para as indústrias e outros setores que, por sua vez, geram os empregos para população. Então, esta na hora de começarmos a pensar na relação custo-benefício desses grandes projetos. Dentre os benefícios, incluímos os empregos gerados. É mais ou menos como a História do Pescador Mexicano, quem não conhece, deveria conhecer, vale a pena! Pensemos na soja. Qual a área da floresta amazônica desmatada para o plantio da soja? Quantos empregos foram gerados? Sabemos que nessa região prevalece o sistema agro-químico de produção da soja. Segundo Ortega (2003), tal sistema não gera nem a metade dos empregos gerados por outros sistemas e obtém pelo menos o dobro do lucro. A floresta em pé poderia ter gerado muito mais emprego, como as reservas extrativistas têm gerado, do que ela destruída, gerando meia dúzia de empregos.
Outro ponto crítico, tema da discussão aqui: as hidrelétricas. Pensemos na relação custo-benefício de uma hidrelétrica. Primeiro, é preciso saber que o custo da construção de uma hidrelétrica é repassado para nós, cidadãos brasileiros. Tirando o exemplo da hidrelétrica de Tucuruí, da qual já podemos tirar boas conclusões, pensemos no geral dos projetos de hidrelétricas a serem construídos na região amazônica. Falamos não só do custo econômico, mas também do ambiental e social. Tenho referências que podem nos ajudar. Francisco Del Moral Hernandez, mestre em energia pela USP, pesquisador do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, nos mostra que a vida útil de uma hidrelétrica é de aproximadamente cem anos, dado importante, não levado em consideração na elaboração dos EIA-RIMAs. Outros dados fornecidos pelo autor: Para cada 33.000 km² de reservatórios, o CH4 emitido é próximo do gerado por combustível fóssil da grande São Paulo; a eficiência de 90% da turbina e do gerador cai 50% no caso de vazão da água. Se pensarmos na localidade, por exemplo, onde se planeja construir Belo Monte, temos mais um dado importante apresentado por Hernandez: não existe chuva suficiente para complementaridade hidrelétrica no sul da Amazônia, fato com que contam os engenheiros para a eficiência de Belo Monte. Outro exemplo: Balbina. A liberação de dióxido de carbono e metano é superior à de uma usina térmica de mesmo potencial energético. Um pesquisador do INPA, P. Fearnside, relatou no caso de Balbina, área inundada prevista era de 2369 Km² e que hoje que hoje são mais de 3000 km². Relata também que Balbina custou U$750 milhões, sem incluir o custo de transmissão até Manaus para produzir míseros 100 megawatts. Foi um desastre ambiental que além inundar terras indígenas, causou a morte de inúmeras espécies de peixes e árvores, destruindo a sustentabilidade dos povos do local. Quais seriam os benefícios? Dados do INPA, em média são 2,7 empregos gerados por Gwh fornecido. Então eu pergunto: Por que o Brasil não investe em outras fontes de energia, como a eólica e solar, viáveis para o país? Seria por que o lucro das empreiteiras diminuiria com tais projetos? Dados da Aneel mostram que a produção de energia eólica no Brasil é de 600MW e existem projetos para um potencial estimado de 2,139.7 MW.
Nessa semana vimos o caos na região serrana do Rio de Janeiro. Quantas mortes serão necessárias para enxergarmos que não é possível mais esse modelo de progresso fantasiado de desenvolvimento para o Brasil? Só estando entre os desabrigados para entender o ambiente como um todo? No futuro, o aquecimento global provocado pela emissão de metano desses empreendimentos serão o suficiente para nossa própria cova num desses desmoronamentos.

Elaine Regina Branco
Geógrafa, Mestre em Geografia pela FCT/UNESP
Autora dos trabalhos: "O rio da minha terra: imaginário social, saúde e ambiente" (2002) e "Encontros, desencontros e reencontros na na trajetória da comunidade remanescente do quilombo Caçandoca:identidade e territorialidade"(2007)

Fonte da Figura: http://vozsocial.blogspot.com/2010/06/um-lago-de-duvidas-belo-monte.html
P.S.1: O texto foi publicado da forma original como consta na listageografia.
P.S.2: A figura não compõe o texto originalmente, sua idéia contrária ao empreendimento refletem a posição política explícita do editor do blog, Andre de Moraes.

2 comentários:

  1. Muito bom. A exemplo de Balbina, Belo Monte é mais um monumento a insanidade desses homens e mulheres do progresso, do asfalto e da lama que hoje cobre centenas de corpos inocentes no Rio de Janeiro.

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  2. Muito bom, as pessoas hoje em dia se importam apenas com o seu bem próprio (em ganhar dinheiro), não se importando com seu semelhantes..
    É claro que é bom pra todos que o país se desenvolva, mas que se desenvolva para o bem de todas as pessoas.

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