terça-feira, 14 de junho de 2016

O Céu de Irrepetidas Nuvens

(André de Moraes)

Eu desejo você
Que nem calada, nem falante
Faz de idéias o mais belo turbante
E me deixa, em cada abraço, esmorecer
Mesmo na mais sutil lembrança
Que na memória se desenha como trança
E dá vivo tom ao nosso traço em ser

Eu desejo você
Como quem ensaia uma canção
Dessas menos clichês ao violão
E pela melodia se deixa envolver
Ao ter sua dança como o bom livro
Que deixa-nos mais frágeis que vidro
Ao permitir a tempestade nascer
Para que a música ouse deixar florescer
A aventura de renunciar um alívio

Eu desejo você
Como verso que recusou a prosa
Rima que se rebelou contra a trova
Literatura que se rasgou ao dizer
Que mil regras havia de rever
Se nada pudesse exprimir a vontade
Que, de tão intensa, já ganhava idade
E em papel não deitaria seu escrever
Antes declamaria-se para caber
Nos fartos seios de nossa vontade

Eu desejo você
Como queria a flor que não fora colhida
Ainda viva e bela, mas de certo incontida
Pelo ócio da mão que não a acariciou
À espera do contente polinizador
Inventa outro mundo onde seria sua vida
Não apenas enfeite ou comida
Mas qualquer existência no sentido do amor

Eu desejo você
Não como mero corpo
Mas como ser composto
Cuja queda desafia o fundo de qualquer poço
E o navegar desconhece destinos e cais
Ficando sempre ao ouvir "onde vai?"
E cutivando cada semente daquele caroço
Que semelhante ao cão que não larga o osso
Nunca se satisfaz
Sempre quer mais
Mais daqueles ais...

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