Para compreender esta oposição, peço ao leitor que se imagine em sua comunidade. Aí, você desenvolve suas articulações sociais, onde fome e degradação ambiental são termos exóticos. Esse lugar encerra todas as suas redes sociais, contém seus templos religiosos, sua história e a história de seu povo.
De repente, um país estrangeiro anuncia que necessita desse seu lugar para alimentar as necessidades crescentes de seus príncipes. Eles pedem que você e seus vizinhos se mudem dali. Você não compreende os motivos, mas eles te explicam que isso tudo será necessário para o otnemivlovnesed.
Mas otnemivlovnesed não significa nada para você. Eles insistem e dizem que você não precisa se preocupar. Sua comunidade poderá viver nas cidades deles e que assim vocês também poderão desfrutar do otnemivlovnesed.
Mas, mesmo não querendo criar seus filhos em um lugar estranho, você não tem escolha. Quando percebe, seus filhos já não mais compreendem as suas histórias e sentem uma necessidade louca de otnemivlovnesed, mas isso é muito caro para você.
Sua família vai passar muitas gerações trabalhando em busca de otnemivlovnesed e, enquanto isso, você não mais conseguirá reconhecer seu povo, sua imagem estará eternamente exposta em um museu, como um cara estranho, primitivo ao lado de fotos da fauna e da flora. É possível que gravem um documentário para o Globo Natureza ou para outro programa de TV, mostrando você como representante daquele mundo selvagem, ignorando sua cultura e história.
Nas obras, você será o mais prejudicado, mas a imprensa vai fazer questão de dizer que existem dois lados opostos: os que defendem a natureza selvagem e os que defendem o otnemivlovnesed que, lido as avessas: desenvolvimento.
É bem verdade que os interesses dos povos e populações atingidas por Belo Monte convergem com os interesses de ambientalistas. No entanto, além da destruição da natureza, é o destino de vários povos indígenas do rio Xingu que mais preocupa, pois correm sérios riscos de perderem a terra e o rio. Vale lembrar que são as relações que o Kaiapó mantém com a natureza que garantem a manutenção de tanta vida naquele importante pedaço do mundo.
E o que podemos oferecer em troca disso? Um belo lugar em Altamira, um cidade sem infra-estrutura para manter seus 94 mil habitantes e que deve dobrar de tamanho com o grande contingente de homens atraídos por especulações sobre a hidrelétrica?
Casa da Cultura do Urubuí, 03 de fevereiro de 2011
Belo Monte não nos deixa dúvidas de que realmente se busca o desenvolvimento pelo des-envolvimento entre as nações indígenas e sua cultura/terra. Isso fica claro no texto do Maiká.
ResponderExcluirFaçamos o esforço de enxergar para além do presente e escalar as práticas e os discursos para ter clareza do que se avista no topo de belo monte. Será se gostamos do que vemos?
Abraços de resistência!