André de Moraes
Ontem, em uma conversa de porta de casa com meu amigo-vizinho, eu
criticava a total e proposital indisposição da Secretaria de Estado da
Cultura do Estado do Amazonas (SEC/AM) em estender as políticas
culturais para a periferia da cidade de Manaus. Hoje, tive a satisfação
de ver o cartaz do III Festival Cultura do Pirão AM e constatar
que este vai acontecer no Jorge Teixeira, bairro muito distante tanto do
centro da cidade quanto das políticas públicas. Sorri e respirei.
Sou
um crítico da diretriz da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas
em gastar rios de dinheiro com festivais de mínima aderência a realidade
local. A ideia é inserir Manaus no circuito de grandes festivais de
forma a atrair/consolidar um turismo de alto padrão. Para quem me
conhece, sabe que tenho maior inclinação às iniciativas populares
locais, todavia não sou contra haver festivais de ópera, jazz, cinema,
dança, teatro, etc. com a presença de grandes figuras nacionais e mesmo
internacionais desses segmentos. O que me incomoda profundamente é que
estes levem a maioria esmagadora dos recursos em detrimento quase total
dos grupos locais e da periferia da cidade. Constrói-se, assim uma
segregação social no acesso às políticas públicas culturais que em nada
aproveitou o interessante momento da gestão Gil-Juca no âmbito nacional
para o fomento à cultura popular.
Nesse contexto, era uma
questão de tempo surgir uma movimentação que fizesse frente à essa
condição e pudesse expor um pouco a situação de forma provocativa,
espontânea e divertida, por que não. Daí o movimento Pirão AM, propositor de uma “arte que
combate a estagnação e se expressa para transformar a realidade, quebrar
os estereótipos e romper as barreiras do silêncio.”*, surge como
alternativa para catalisar a rica e eclética essência das propostas
artísticas regionais/locais. Não à toa, convergiram músicos, artistas em
geral, promotores/agitadores culturais e apoiadores (como eu). A aproximação da periferia no sentido
de incluí-la num agenda cultural positiva é um bom primeiro passo.
Posteriormente, reconhecer talentos e assim iniciar um
diálogo que redunde num processo autonomia cultural para transformação
da realidade social, torna-se algo mais próximo. Não tenhamos medo de sonhar...
Descentralizar
é preciso. Logo, para além da denúncia à exclusão sociocultural da
periferia, também existe a dimensão provocativa com a inclusão daquela
área num circuito cultural da cidade que não costuma ser visitada senão
pelos seus próprios moradores. Certamente haverá quem se pergunte por
que fazer o festival tão longe, não se dando conta de que o motivo é
exatamente o fato de ainda haver essa pergunta. A cidade é produto das
relações de disputa entre aqueles que a produzem e a reproduzem. Nessa
correlação de forças, quase sempre vencem os detentores de poder
político e/ou econômico restando aos pobres algumas migalhas de cidade
traduzida, principalmente, numa infraestrutura urbana precária, mas
também na ausência de serviços públicos minimamente adequados, incluindo
políticas públicas culturais. Com isso não estou dizendo que o festival
tem a pretensão de reverter esse cenário com uma ou mais edições, mas
sim que esta pode ser uma oportunidade de problematizar esse aspecto e
promover uma discussão ampla sobre a cidade, exclusão socioespacial e o
acesso à cultura.
Não tenho a menor expectativa de que a
diretriz cultural da SEC/AM mude. Mesmo mudando a gestão, a política
amazonense ainda resguarda uma estrutura conservadora/elitista/coronelista/populista que não
busca/permite uma inclusão social de fato. Isso evidencia a necessidade
de paralelismos, como o Movimento Pirão AM, que são muito bem vindos como
antítese ao status quo da política, nesse caso, cultural. Daí torço
para que o movimento prossiga esquentando e que a gente continue comendo
pelas “beiradas” por ser justamente a parte mais rala do caldo, no tocante
àquilo que deveria ser fomentado pelo Estado.
*trecho do Manifesto Pirão AM, disponível em: http://goo.gl/cCcVXH
Fonte da Figura: http://goo.gl/B44Sgs