segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Manifesto Periplanetário - Todo apoio aos professores do Rio de Janeiro

Reproduzo aqui o manifesto do Coletivo Periplaneta de Manaus/AM (da qual comecei a fazer parte) em apoio aos professores do Rio de Janeiro. Sem muitos pudores... Horror é porrada em professor!



Manifesto periplanetário
Todo apoio aos professores do Rio de Janeiro



Inicialmente, pedimos desculpas aos companheiros professores, já que este manifesto não dialogará exatamente com vocês. Esta sequer é a nossa língua. Estamos a nos expressar desse modo, usando do que seria pretensamente a linguagem culta ou, em outras palavras, a norma padrão, para nos dirigirmos a esta suposta “elite”, para que estes débeis mentais não nos tratem, como fazem com freqüência, como pessoas estúpidas e fracas de raciocínio.

Assim, Senhores Tecno-coronéis, este manifesto não traz nosso ressentimento, nem sequer constitui uma ameaça, consistindo, digamos assim, numa mera constatação. A história do homem na face da terra mostra que as relações entre nós e vocês são marcadas por constantes conflitos. Nós? Bem... nós somos o que vocês chamam de “gente diferenciada”, “gente humilde”, “pobres”, “comunidade carente”, “favelados”, entre outros eufemismos. Vocês são aqueles a quem chamamos de “playboys”, “burgueses”, “patrões”, “doutores”, “chefes”, etc.

Podem nos bater, podem tentar nos trucidar, nos humilhar, estuprar, ridicularizar, mas enfim... a mesma história mostra que entre vocês há uma visceral dependência de nossos préstimos. Tal dependência fica evidente em cada momento cotidiano de sua vidinha medíocre. Suas mãos gordinhas e delicadas não prestam sequer para lavar seus próprios talheres, calcinhas e cuecas, sua bunda mole parece viver colada ao assento da poltrona e seus dedos aderidos a controles remotos. Vocês precisam de nós até mesmo para educar os seus filhos, tamanha a vossa inutilidade. Não custa lembrar também que até mesmo sua residência opulenta foi construída por nós, já que seus braços mal sustentam o peso de um carrinho de mão. Aliás também guardamos vossa residência, pois também no campo da segurança pessoal vocês não possuem muita habilidade. Proteção essa que não se limita à guarda de vossas fortalezas da invasão de estranhos, já que precisamos protegê-los de vocês mesmos e de sua ganância desmedida. Mulheres burguesas querendo matar seus maridos, filhotinhos dos patrões querendo a fortuna acumulada pela família, enfim, essa psicopatia toda que os acomete requer, muitas vezes, nossa intervenção também.

A questão é que não somos tão dóceis e confiáveis assim, fofuras! Aliás, nem em vossas flácidas esposas vocês podem confiar, não é mesmo? Caso não saibam, somos constantemente requisitados. Personal trainings, seguranças particulares, jardineiros, pedreiros, encanadores e... Puxa, como são carentes e generosas conosco! Também limpamos e cuidamos de vossa casa, não esqueçam disso. Tanta coisa interessante tens em suas mansões, hem? É tanta, mas tanta coisa que, quando algum de nós, muitas vezes por ser privado desses caros bibelôs, surrupia-os, vocês mal percebem a falta, não é mesmo? Aliás, cá pra nós, um objeto ou outro do qual vos desapropriamos é pouco diante do que nos roubam diariamente com esses salários mixurucas, as falcatruas com dinheiro público, as maracutaias em empresas privadas para sustentar vossa vida nababesca.

Outra questão, “nobre” interlocutor: pare de nos impingir a pecha do vício, da marginalidade e de outras mazelas ligadas ao tráfico de drogas que ocorre, de fato, nos morros, nas “comunidades”, mas que é financiado quase exclusivamente por vocês. Gerações e gerações de nossas famílias são escravizadas, vivendo em contexto de guerra civil para sustentar vosso vício. Vício esse, aliás, que cultivas para vos livrar de certo vazio interior, de certa falta de perspectiva causada pela vida excessivamente ociosa e, enfim, para vos livrar das tais psicopatias às quais nos referimos anteriormente.

Bem, nossa argumentação buscou deslegitimar vosso discurso, que atribui a nós e somente a nós, pouca inteligência, desonestidade, indolência (aliás, nisso vocês podem assumir, sem modéstia, que são insuperáveis), entre outros atributos. Não somos ingênuos a ponto de acreditar que, entre nós, não existam indivíduos portadores de tais atributos, buscamos apenas mostrar que vocês não são tão cultos, inteligentes, bem criados e honestos como apregoam.

Por isso, aumentar vosso aparato repressivo contra professores em greve não vos trará mais conforto e segurança. Vossa violência é o alimento de nossa indignação! Cuspiremos mais viscosamente em vossos mcburguers, treparemos com mais vontade com vossas filhas e esposas e, acreditem, tiraremos vosso sono, não daremos trégua nessa guerra que declararam contra nós! Mais do que isso, não pense que isso é por revolta ou ressentimento, sentiremos enorme prazer, dormiremos felizes, compartilharemos essas histórias em rodas de samba, capoeira, em bate-papos na esquina, na padaria, no café, na cozinha da sua casa, no volante do seu carro.

E, claro, como educadores que prezam sua história e sua origem, contaremos a vossos filhos o papel de cada um de nós na sociedade, diremos a eles quem são os latifundiários, quem são os banqueiros, usineiros e, enfim, faremos com que sintam vergonha de terem pais ignorantes, corruptos, lobistas e de fazerem parte desta corja de canalhas. Ensinaremos que eles não devem votar em vocês, que o preconceito social é uma coisa estúpida e que corrupção é um crime hediondo. Faremos da sala de aula um espaço de formação de massa crítica, de promoção da indignação, de organização dos oprimidos. Criaremos Robin Hoods entre vossos herdeiros e denunciaremos os reais criadores dessa sociedade de merda em que vivemos: vocês.




Figura: Marco Ney.